Ezequiel Kieczkier

Falsos profetas do management: como distinguir as tendências reais das modas corporativas.

Após décadas 'comprando' revoluções organizacionais, surge a pergunta-chave: como distinguir os falsos profetas das tendências genuinamente transformadoras?

Escrito por
Ezequiel Kieczkier

CEO e sócio fundador. Coautor de Crisis & Co.

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Qual foi a maior tolice corporativa que você 'comprou' ao aceitar seguir com algum projeto por conselho de um consultor?" Essa pergunta, aparentemente provocativa, abre uma reflexão necessária sobre os modismos de management que consomem recursos sem gerar valor real.

A lista é extensa e conhecida: reengenharia de processos, mapeamento de processos, melhoria contínua de processos, Six Sigma, Kaizen, tecnologias para documentar processos, avaliação de competências, avaliação de potencial, design organizacional. Mas talvez a "compra" mais custosa para muitas organizações tenha sido o Y2K: antes do novo milênio, acreditava-se que a virada de 1999 para 2000 poderia causar uma falha massiva nos sistemas de informática que usavam dois dígitos para representar o ano.

Multinacionais investiram somas milionárias para atualizar sistemas e prevenir desastres que, finalmente, nunca ocorreram. E o padrão se repete constantemente com outros modismos passageiros, cujas implementações demonstram que os resultados diferem dos números que eram vistos no Excel.

A pergunta que muda tudo

Qual é a habilidade que um líder do século XXI deve ter para distinguir os falsos profetas das tendências reais? A resposta está em fazer a pergunta certa antes de avaliar qualquer iniciativa. Mas a pergunta-chave é dupla: Qual é a necessidade real que preciso atender? E, para o consumidor, como o que estou fazendo vai melhorar a vida dele?

Se for indiferente para o cliente que um processo seja automatizado ou que uma nova metodologia seja implementada, isso é um sinal de alerta. Nesse caso, existem apenas duas justificativas válidas: gerar uma economia significativa para a empresa ou agregar tanto valor que permita superar claramente a concorrência.

Essa dupla pergunta funciona como um filtro poderoso para distinguir entre valor real e ativismo organizacional sem sentido.


As desculpas dos falsos profetas

Os vendedores de modismos corporativos têm um arsenal de argumentos aparentemente irrefutáveis. Reconhecê-los é o primeiro passo para não cair em suas armadilhas:

A Pressão da Concorrência: “Se todas as empresas do nosso setor fizeram, como não vamos fazer?” Esta é talvez a desculpa mais utilizada, mas também a mais frágil. Se todos fazem, você acaba se parecendo com todos. A diferenciação não vem de seguir o rebanho, mas de entender o que a organização realmente precisa.

O Business Case Perfeito: As planilhas de Excel podem ser enganosas ao apresentar os business cases dessas iniciativas. Recomenda-se desconfiar de números excessivamente perfeitos. Os ROI estratosféricos em apresentações de PowerPoint raramente se materializam na realidade.

A Urgência Artificial: “Se não fizermos agora, vamos perder o trem.” Essa pressão temporal impede a reflexão necessária e leva a decisões apressadas que, mais tarde, custam caro.

O interessante é que as mesmas ferramentas que falham em uma organização podem ser bem-sucedidas em outra. Não se trata tanto do projeto em si, mas do contexto em que a mudança ocorre. “It's the people” (São as pessoas), como diz a frase. O sucesso depende do ecossistema social da empresa e de que a equipe tenha as condições relacionais, a atenção suficiente e o senso de urgência necessários.


Voltando ao básico: Os critérios atemporais

Em vez de perseguir modismos, as organizações inteligentes focam em três temas que são realmente importantes e que as tornam diferentes ou únicas: o cliente, a qualidade do produto e o poder da inovação.

Esses critérios devem ser "atemporais": se a empresa tem 100 anos, é possível se perguntar o que era importante há um século e continua sendo importante agora. Essa perspectiva de longo prazo ajuda a esquecer a incerteza do curto prazo para pensar em termos de décadas.

Tomemos o exemplo da despedida do Black Sabbath: 5,8 milhões de pessoas em streaming, 40 mil no Villa Park de Birmingham, tocando músicas com mais de 50 anos que continuam relevantes. Por que funcionou? Porque houve um antes e um depois. Eles inventaram o conceito de heavy metal, evoluíram constantemente, mas voltaram às suas bases. As pessoas buscam essa essência. A banda usou um veículo novo (o streaming), mas a essência continuou a mesma.

O segredo das transformações bem-sucedidas

As transformações genuínas combinam dois elementos: a essência (o que realmente importa para a organização) e o contexto oportuno para que essa mudança aconteça. É aí que podemos falar de uma mudança verdadeiramente transformacional.

O verdadeiro valor é visto quando há um antes e um depois, não apenas em processos, mas na capacidade da organização de encontrar um sentido profundo no que faz.


Reflexões para líderes conscientes

A habilidade do século XXI é distinguir os falsos profetas das tendências reais e profundas. Isso requer:

  • Partir da necessidade real: Qual é a necessidade que eu tenho que cobrir?

  • Avaliar o impacto no cliente: Se não melhora a experiência dele, para que serve?

  • Considerar o contexto organizacional: Temos as condições para que isso funcione?

  • Manter critérios atemporais: Isso contribui para o que nos tornou únicos durante décadas?

Na próxima vez que alguém aparecer vendendo a última "revolução" organizacional, lembre-se de fazer essas perguntas. Em um mundo cheio de falsos profetas, as organizações que prosperam são as que conseguem distinguir entre o modismo passageiro e a mudança genuinamente transformadora.


 

Por Ezequiel Keczkier, sócio-fundador e CEO da consultoria Olivia.

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