Nossas organizações estão passando por um mundo de mudanças. Entre elas, precisam definir novos paradigmas, novas maneiras de fazer o que fazem. Para isso, elas precisam primeiro ousar fazer a coisa mais difícil: abrir mão do controle. Ora, essa mudança depende dos líderes como poucas outras.
Há algumas semanas, uma notícia da Alemanha me fez pensar que até mesmo uma corporação pode aprender a lição mais difícil: voar. Obviamente, estou me referindo aos conglomerados, aos grandes grupos industriais, como a US Steel, a Union Pacific, a General Electric, a BASF ou a Volkswagen. Todas as organizações que, no mundo de hoje, geralmente têm um problema em comum: seu peso, sua falta de agilidade. Em outras palavras, sua incapacidade de se adaptar e se renovar. No entanto, o anúncio feito por Bill Anderson, CEO do Grupo Bayer, uma empresa sediada na cidade alemã de Leverkusen, mostra que essas organizações também podem aspirar a muito mais do que tentar preservar o status quo.
O CEO da Bayer anunciou que reduzirá pela metade o número de cargos de gerência sênior. Para avaliar a audácia envolvida, vale a pena lembrar que a Bayer é uma organização com mais de 99.000 funcionários e presença em mais de 80 países. “Quanto mais uma empresa cresce, mais gerentes profissionais ela contrata. E eles, por sua vez, criam novos processos que querem controlar”, comentou Anderson sobre sua decisão. Então, surge a eterna desculpa: “Somos grandes, precisamos de tempo. Nossa cadeia de valor não se desfaz”, Anderson acabou de dizer, muito educadamente: ‘Besteira’.
Além disso, o CEO não está apenas reduzindo, ele está reorganizando: Anderson também anunciou que substituirá os departamentos tradicionais por equipes autônomas recém-criadas. Com as duas palavras que compõem “equipes autônomas”, Anderson envia uma mensagem poderosa aos seus colegas: chega de caos, mas mais responsabilidade.
Equipes autônomas são equipes interdisciplinares, que trabalham sem uma hierarquia de comando específica, mas com igual responsabilidade pela cadeia de valor da nossa empresa. São equipes que trabalham por objetivos, desafios ou projetos. O importante para elas é definir o objetivo da equipe, o projeto, o desafio que ele implica e, a partir daí, dar liberdade na execução, confiando nas habilidades pessoais e profissionais de seus membros. Portanto, equipes autônomas não significam reunir pessoas sem chefes. São equipes que têm o poder e a responsabilidade de encontrar por si mesmas a melhor maneira de atingir o objetivo. Mas também são equipes que exigem líderes que saibam orientar e motivar suas equipes a encontrar a melhor maneira de atingir seus objetivos. As equipes autônomas têm liberdade, mas também a responsabilidade de saber como aproveitá-la ao máximo.
Um adeus ao mito do controle
A decisão de Anderson põe fim a um dos maiores fardos do modelo organizacional que ainda hoje domina a estrutura de nossas empresas: o mito do controle.
Lembremos que, até agora, o controle era o Santo Graal de grande parte de nossa vida organizacional. Ele nos ordena, nos concentra, nos orienta. Se controlarmos todas as variáveis, saberemos para onde devemos ir. Isso se aplica tanto ao nosso balanço patrimonial quanto à nossa equipe, seja em um conglomerado, uma empresa de médio porte, uma PME ou uma start-up. Não é de se surpreender que saber quanto ganhamos e quanto gastamos seja uma boa “bússola” para evitar que nos desintegremos como organização. E ainda é. No entanto, as ferramentas para definir essa bússola mudaram.
Nosso mundo se tornou complexo demais para permitir que queiramos controlá-lo em todas as suas facetas. Há tantas variáveis novas que hoje compõem a vida de cada pessoa, de cada equipe, de cada organização, que tentar controlá-las por meio de processos ou mecanismos de controle é como tentar tapar o sol com as mãos. Além dessa complexidade em nossas vidas pessoais, há também as mudanças que agora afetam nossas cadeias de valor de ponta a ponta. Juntas, as mudanças em ambas as dimensões - pessoal e profissional - estão se chocando cada vez mais com o antigo paradigma de controle.
Pois, ainda temos chefes, ainda temos supervisores, ainda temos pessoas que se reportam a pessoas e ainda ordenamos nossa existência como empresa em um “organograma”. Continuamos, portanto, a estruturar e ordenar nossas organizações sob um sistema de controle que não consegue mais atender às necessidades de um novo mundo. O conflito surge porque estamos usando processos e estruturas que foram criados para outra época, mas que não fazem sentido hoje.
Reaprendendo a voar
O melhor exemplo da experiência de como ainda estamos presos ao “mito do controle” hoje é o que estamos passando com a inteligência artificial (IA). Em vez de investigar como aproveitá-la para gerar um salto evolutivo, primeiro consideramos como reduzir seu impacto, como limitar sua interferência, como controlá-la. Pior ainda, em vez de sermos incentivados a explorar com ela, nos concentramos em aproveitar seu poder de “processamento”. O objetivo: automatizar mais e melhor.
Não estou dizendo que devemos simplesmente nos render à IA. Qualquer evolução da humanidade só funcionou quando foi realizada dentro de uma estrutura ética e moral que serviu de guia em nosso caminho rumo ao desconhecido. No entanto, a atitude com que abordamos as oportunidades oferecidas pela IA para nos repensarmos como organização deixa claro que o fazemos dentro dos parâmetros de controle; um mundo que não existe mais. Em vez de confiar em nossa inteligência humana, não queremos ou podemos imaginar um mundo sem controle.
No entanto, nossa maneira de viver e trabalhar não é mais linear, muito menos milimétrica, como era antes. Ele exige de nós novas soluções a quase todo momento e um reajuste constante do tempo. Vivemos isso todos os dias no mundo híbrido, que hoje mistura trabalho e vida pessoal 24 horas por dia, 7 dias por semana, e vai desde o escritório em casa até a reunião da diretoria.
Nesse mundo, a complexidade exige que abandonemos o mito do controle e o substituamos por um novo paradigma de “autonomia”. Trata-se de uma autonomia em que os líderes definem a direção, o “o que” esperamos das pessoas que compõem nossa organização. Porque, neste mundo, a complexidade significa que as respostas profissionais para os problemas não podem mais ser fornecidas pelos líderes, mas podem vir apenas das pessoas que estão mais próximas do problema ou do desafio a ser resolvido. Portanto, os gerentes, executivos e líderes devem se concentrar em descrever e fazer com que o objetivo a ser alcançado seja compreendido e moderar as expectativas para alcançá-lo. Com base nisso, eles devem dar liberdade de ação, confiando na capacidade das equipes de resolver e atingir esses objetivos.
Dito isso, abandonar o antigo conceito de “controle” mudará a dinâmica de nossa organização porque nos leva a um novo mundo no qual o organograma tradicional está obsoleto e deve ser substituído por um novo.
Esse novo organograma não é anárquico, mas requer e exige que os líderes saibam como preservar as prioridades e a ordem que elas exigem para o bem-estar da organização como nunca antes. Nesse caminho, os líderes devem saber como ajudar suas equipes a entender e visualizar o que nos mobiliza; qual é a nossa causa como equipe; qual é o nosso propósito como organização; qual é a nossa visão. E isso constantemente, quase diariamente, e não uma vez a cada trimestre.
A partir daí, os líderes devem dar às suas equipes a liberdade de alinhar seu dia a dia novamente a cada dia, adaptando estratégias e objetivos. Porque a autonomia - assim como a liberdade que a sustenta - exige não apenas abrir mão do controle, mas também confiar no potencial das pessoas que compõem esta, nossa, organização para emergir. É isso que funciona para uma start-up e é isso que funciona para uma Bayer. E esse é o mundo no qual podemos reaprender a voar como organizações.
Por Alberto Bethke, CEO e sócio fundador da OLIVIA