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Cancela-se a Copa do Mundo do Catar? | Olivia

Written by Gabriel Weinstein | 9/dez/2022 13:45:00

Sou um amante do esporte, mas minha paixão pelo futebol passa alguns limites. Não sou de nenhum time em particular, mas a paixão é pelo futebol em si mesmo. Eu jogo desde que era criança e sou daquelas pessoas que dizem que “a vida é o que acontece entre Copa do Mundo e Copa do Mundo”. De Itália 1990 a Rússia 2018, eu vivi cada copa do mundo com paixão. No entanto, algo muito diferente acontece comigo ao pensar em Catar 2022.

Lemos e ouvimos inúmeras notícias a respeito de Joseph Blatter (que em 2010 anunciava o Catar como organizador da copa de 2022) e a corrupção na FIFA. No entanto, além disso, deveríamos nos questionar o papel que uma organização do calibre da FIFA tem em nossos dias. Que princípios transmite uma organização que supera a ONU em países filiados? Que inspiração gera entre os mais jovens?

De 20 de novembro a 18 de dezembro, a atenção de grande parte do planeta estará posta no Catar, uma monarquia absoluta que é governada desde meados do século XIX pela família Al Thani. Trata-se de um país acusado de apoiar e financiar o terrorismo; de incentivar a exploração trabalhista; de violar sistematicamente os Direitos Humanos; Dados compilados pela ONG Anistía Internacional in situ, confirmam as suspeitas.

 Só alguns gestos mornos

O Catar conta hoje com 1,7 milhões de trabalhadores migrantes. E 90% deles trabalham no setor da construção. Para poder trabalhar, os migrantes pagam às agências de contratação em seus países de origem -Nepal, Bangladesh ou Índia- entre 500€ e 4.300€. O salário mensal médio que estás agências prometem aos contratados pode chegar a 300€. No entanto, ao chegar ao destino, o dinheiro que os trabalhadores recebem não supera em muitos casos os 190€, além de o pagamento ser feito com meses de atraso, segundo os dados coletados pela Anistia Internacional (para quem duvidar da qualidade do trabalho desta ONG, eu lembro a experiência da Copa do Mundo da Argentina em 1978 e suas sequelas).

Lembremos que a FIFA agrupa as associações de futebol de 211 nações. Apesar de algumas delas terem manifestado sua preocupação com relação ao que acontece no país anfitrião - entre elas a Alemanha, a Noruega e a Bélgica- nenhuma parece se animar a tomar uma postura contundente a respeito. Uma exceção bem-vinda é a seleção da Dinamarca, que, em um gesto corajoso, anunciou que não utilizará os logotipos de seus patrocinadores na roupa esportiva que seus jogadores vestirão durante o torneio. Estes mostrarão, por outro lado, mensagens a favor dos Direitos Humanos. Também aderiram jogadores e ex-jogadores de futebol famosos, como Tony Kroos, Éric Cantona e Philipp Lahm, que acompanham estas mensagens com ações individuais. Alguns já renunciaram a viajar ao Catar e outros nem sequer irão para ver as partidas de suas seleções para os que foram convidados.

 O propósito das empresas
No mundo ocidental, a grande maioria de nós e principalmente as novas gerações somos conscientes de que devemos cuidar do meio ambiente, incentivar a diversidade e velar pela inclusão entre muitas outras iniciativas. Estes pensamentos e ações são também elementos abraçados pelas marcas para chegar a seu público, clientes e consumidores.

 É neste ponto onde podemos encontrar dois perfis de organizações: aquelas companhias que estão comprometidas com estas causas e agem em consequência e aquelas que dizem estar comprometidas, mas suas ações evidenciam o contrário. Se uma companhia vender um determinado produto e, ao mesmo tempo, fizer isso cuidando do planeta, provavelmente uma grande parte do público se veja mais atraído por sua oferta do que por outra de características parecidas, mas que não tem igual consideração pelo meio ambiente.

 Quando o propósito é apenas o resultado econômico, a imagem que a empresa criou de si mesma corre risco de reputação. Porque quando um propósito é enunciado com a intenção de manipular o público e não a partir da convicção e da profunda crença, não se sustenta no tempo. O resultado: a marca balança deixando sua reputação despedaçada.

 Isso também é o que acontece na antessala desta Copa do Mundo se analisarmos algumas das marcas patrocinadoras. Muitas companhias que falam de diversidade de gênero são as mesmas que investem milhões para se tornarem patrocinadores de uma Copa do Mundo que é disputada em um país onde a discriminação às mulheres é a regra e a homossexualidade é considerada ilegal.

No entanto, isto não se trata apenas da Copa do Mundo de futebol. É bom lembrar que o Catar é o broche de ouro de eventos como A Supercopa, o Padel Tour, o circuito profissional de Golfe ou das Equipes Estado, como o PSG ou o Manchester City nos quais o talão de cheque prevalece sobre o propósito.

 Fazer o que é correto ou o que convém?

Em um mundo no qual as novas gerações valorizam mais do que nunca a transparência, a mensagem que muitas companhias estão entregando à sociedade é contraditória, é incoerente e é perigosa. Os tempos que correm nos deixam claro a importância de fazer o que é correto e não o que convém. Então, talvez estejamos de acordo em que organizar a Copa do Mundo no Catar convém para aqueles envolvidos que desfrutarão dos lucros, mas não parece ser o correto. Se algo a história nos ensina é que, diante da dúvida, quem fez o certo, sempre ganhou.

 Por Gabriel Weinstein, Sócio e Managing Partner para a Europa da Olivia