O novo mapa do poder
As organizações redefinem suas hierarquias. Os líderes devem reaprender a exercer autoridade em um mundo menos presencial, porque o poder pós-pandemia não será o mesmo que antes da COVID-19. E isso é uma boa notícia para todos.
Carl Jung estaria extremamente confortável. O novo mundo que começa a emergir, à medida que aprendemos a conviver com o vírus, está reorganizando a forma como nos relacionamos. Nas organizações, as regras de trabalho mudam. Como também a forma com que os líderes deverão trabalhar com suas equipes. Porque, embora as hierarquias não tenham mudado, o que sim, mudou, foi a forma de liderar, motivar e, em último caso, exercer autoridade. Uma das melhores formas para entender esse novo mundo, é a área que Jung estudou e nos deixou como uma de suas principais contribuições: os símbolos de poder.
A batalha contra a COVID-19 colocou em dúvida a necessidade do espaço tradicional no trabalho. O escritório muda seu propósito: de lugar obrigatório para trabalhar, passará a ser um espaço mais para fomentar a colaboração do que a tarefa individual.
O executivo de uma das principais agências de publicidade do mundo nos comentava em uma recente conversa. “Por exemplo, em Madri, tínhamos um edifício de uns 12 andares. Nestes meses, nos demos conta de que só necessitamos três deles. A pandemia nos mostrou que o resto podemos fazer em formato remoto”. Também, o andar de produção, mudará a dinâmica: a necessidade de funcionar 24 horas, nos 7 dias da semana, em um entorno de distanciamento social, a tendência vai ser reorganizar a sequência de tarefas. Os símbolos de poder são hoje um dos aspectos menos comentados desse caminho e ao mesmo tempo os que mais prometem mudar no decorrer desta transformação.
Escritórios vazios, porém, poderosos
Não esqueçamos que: até a chegada da COVID-19, uma parte importante da hierarquia de um executivo se refletia em elementos físicos como: o tamanho e a localização de seu escritório (com vistas privilegiadas ou não); nos materiais com os quais estava decorado (tapete; madeira; mármore ou simples plástico); banheiro próprio ou compartilhado; espaço para receber visitas ou não; telefone (tipo e cor); localização de seu carro na garagem da empresa (1º subsolo, com fácil acesso à saída ou último nível, na ponta) ou no estacionamento (coberto ou não); limite do cartão de crédito da empresa.
Outro símbolo de poder- erroneamente– utilizado em muitas organizações era a distância física (ironia dos tempos). Mais de um diretor ou gerente se comunicava com sua equipe por e-mails ou ligações, aproveitando a distância física para não se envolver emocionalmente, para obter uma liderança eficaz e livre de emoções. Um dos argumentos que mais escutamos em nosso trabalho na Olivia é: “Não posso ser amigo de meus colaboradores, pois assim não me respeitariam, eu perderia poder.”
O chefe não quer
Seguindo os ensinamentos de Jung, vale lembrar que os símbolos representam uma construção de significado comum. Em muitos casos, transformam-se em veículo para preservar o status quo. Os símbolos de poder são um dos melhores exemplos disso. Pudemos encontrar um exemplo em uma companhia de serviços há alguns anos. Os e-mails costumam terminar com EJLE. O significado? “ O chefe está exigindo”, nos explicaram seus colaboradores. Quando uma mensagem era importante, as siglas estavam presentes ao fundo do e-mail. No entanto, o “chefe” não trabalhava na empresa havia mais de 10 anos e muitos dos colaboradores nem sequer conheciam o significado das siglas. Muito menos, tinham noção da mensagem cultural que representava.
Os símbolos de poder (explícitos: escritórios; reuniões; almoços; ou inconscientes: EJLE; rotinas de distância) determinam como seus colaboradores devem comportar-se e como não. Como símbolos que são, se traduzem em marcos ou mensagens inequívocas que impulsionam a forma de “se pensar”, de perceber-se, de projetar-se dentro dela, tanto no individual como no coletivo. Se transformam em pilares para a cultura de uma organização. Ao mesmo tempo, podem se converter nos maiores obstáculos para que essa cultura evolua.
Em uma empresa de tecnologia que, atualmente, aproveita como poucas o desafio da pandemia para redefinir sua cultura empresarial, o CEO nos ilustrou da seguinte forma: “Os colaboradores de postos de trabalho médios estão respondendo de forma excelente a esta mudança. Participam, fazem parte, tomam responsabilidade. O problema aparece no top management: quando lhes peço algo tão simples como deixar seus escritórios para trabalhar em espaços mais abertos e colaborativos, quase se rebelam. ”
Não deveria surpreender: a falta de presença física que a pandemia exige ao mundo dos negócios tira da organização a plataforma de onde projetar esses símbolos. A cultura fica sem suas âncoras. A construção de “sentido”, que havia antes, perde valor.
E onde está o poder?
Os líderes e todos os integrantes de uma organização, hoje enfrentam o desafio de construir sentido comum em símbolos que funcionam de uma forma nova. Descuidar esse aspecto é colocar em jogo a dinâmica interna de nossa organização. Aproveitá-lo é uma oportunidade única para ativar o início e o desenvolvimento da cultura organizacional que o mundo pós-COVID traz. Uma cultura mais ágil, flexível, inclusiva. Será também uma cultura mais ancorada em um processo de prova e erro, no qual os símbolos de poder se definem mais em habilidades de motivar e de canalizar, eficientemente, essa motivação até chegar a um resultado do que simplesmente ordenar. Alberto Bethke, meu sócio e fundador da Olivia, costuma resumir da seguinte forma: “A liderança efetiva tem pouco a ver com gestão, mas sim com visão.
A reorganização gera uma possibilidade única para redefinir a construção de sentido e de liderança em nossas organizações. E o melhor de tudo: a oportunidade é a mesma para todos: empresas grandes, médias e pequenas.
Os ganhadores desta pandemia serão os que souberem reconhecer os símbolos que definem esse sentido e organizar suas ações em função deles.
Por Ezequiel Kieczkier, sócio fundador de OLIVIA