Embora o futuro seja indecifrável, existem sinais que permitem prever diferentes cenários possíveis e preparar-se para suas piores e melhores consequências. No lugar de continuar confiando que o amanhã será uma simples continuação do hoje, devemos aprender a identificar sinais. Nada está escrito, mas tudo é previsível.
O multimilionário de origem sul-africana Elon Musk, à frente da Tesla e SpaceX, vem sendo notícia praticamente toda semana. Após várias idas e vindas, como parte de um processo de aquisição que dará o que falar nas escolas de negócios, o homem mais rico do mundo chegou a um acordo para ficar com o Twitter pela modesta quantia de quase 42 bilhões de Euros... ou isso é o que parecia.
Líderes, colaboradores e usuários da rede social não ocultam sua preocupação pela incerteza com relação à mudança de rumo que pode dar à empresa se a operação finalmente se concretizar. E isso que Musk não é um homem qualquer: provocador, cada um de seus tuítes sacode os meios, as redes e seus ativos. “Podemos extinguirmo-nos como os dinossauros ou padecer em uma guerra nuclear mundial. O risco é real, devemos entender como é o universo, para o caso de precisarmos abandonar o planeta Terra”, dizia Musk em 2003.
Por exemplo, com SpaceX, Musk reviveu o interesse pelo espaço exterior, o qual foi diminuindo desde a década de 1970. Uma missão a qual se somaram outros projetos privados, como Virgin Galactic de Richard Branson e Blue Origin de Jeff Bezos, que buscam promover o turismo espacial. No entanto, em comparação com seus competidores, Musk parece sempre pensar um pouco mais longe: visando o futuro. Há muitas companhias hoje em dia que não somente olham o passado e o presente, como também têm processos periódicos para tentar prever o futuro. Mas isto nada tem a ver com futurologia, tentam compreender os futuros possíveis e alternativos que podem ocorrer a partir de pequenos sinais do presente que possam passar despercebidos, mas que representam significativos desenvolvimentos.
“As consideradas ‘pesquisas de futuros’ ajudam instituições e indivíduos a visualizar, projetar e avançar para cenários desejados no lugar de aceitar passivamente o que “será”, tal e como disse o diretor do Centro de Investigação de Hawai para Pesquisas de Futuros da Universidade de Hawai (EEUU), Jim Dator.
Aqui, entra em jogo a chamada metodologia foresight, que ajuda a projetar possíveis cenários futuros para anteciparmo-nos aos que vai vir e poder, assim, adaptarmo-nos de forma constante e aproveitar as oportunidades de negócio. A necessidade de prever cenários é tanta que até algumas organizações chegam a contratar roteiristas de ficção-científica que lhes permitam romper com as estruturas e as receitas do passado para projetar cenários coerentes, porém provocativos, que rompam com as regras do hoje. Depois de tudo, como compartilhou Dator em certa ocasião, “qualquer ideia verdadeiramente útil sobre o futuro deve parecer ridícula no princípio”.
Vamos analisar o exemplo da Coca-Cola. Com sede em Atlanta (EUA). Esta forma centenária, que durante décadas soube fazer de sua bebida açucarada sua estrela, sabe que as tendências de consumo estão migrando para um estilo de vida mais saudável. Hoje em dia, esta companhia conta com o maior leque de produtos de sua história. Conseguiu identificar a necessidade de uma mudança de estratégia para enfrentar os tempos que se aproximam. Mas o que teria ocorrido se nós só tivéssemos tomado consciência desta onda que é inevitável quando ela estivesse diante de nós? Teríamos a capacidade de reação para enfrentar o desafio? O projeto de cenários futuros nos permite analisar que futuros são plausíveis antes de que ocorram para nos posicionarmos estrategicamente em cada um deles.
Pensar no futuro com as regras do presente, considerando unicamente a realidade atual e sem a capacidade de ser criativos na hora de romper com nossas estruturas, pode se tornar perigoso. O que teria acontecido se a antiga chanceler alemã Angela Merkel tivesse considerado o fato de que a Rússia pudesse invadir a Ucrânia? Possivelmente, hoje Alemanha não teria uma dependência tão alta do gás russo.
Voltando à ficção-científica, talvez um de meus filmes favoritos de zumbis seja Guerra Mundial Z, de 2013, em cuja trama, uma epidemia global transforma as pessoas em zumbis. Israel é o único país que parece ser capaz de conter o contágio, sendo que pôde adiantar-se e tomar medidas preventivas. O protagonista, interpretado por Brad Pitt, entrevista o agente Jurgen Warmbrunn para perguntar-lhe como puderam prever algo tão improvável como um ataque de zumbis. O homem explica: “A maioria das pessoas não acredita que algo pode acontecer até que já tenha acontecido. Na década de 30, os judeus não acreditavam em possíveis campos de concentração. Em 1972, não acreditávamos que poderiam nos massacrar nas olimpíadas. Decidimos fazer uma mudança: o décimo homem. Se nove de nós veem a mesma informação e concluem o mesmo, o décimo homem tem que discordar. Por mais improvável que pareça, o décimo homem tem que investigar supondo que os demais estão errados”.
A metodologia foresight não consiste em ir buscar probabilidades e sim em estar atentos para identificar qual é a força que está por trás hoje, para projetar cenários de baixa probabilidade, mas de alto impacto. O mundo no qual vivemos se move mais rápido e está cheio de ondas, como tsunamis. As organizações devem evoluir por duas razões: visão ou crise. A visão permite ver a onda de longe e dar mais tempo para reagir antes de que se transforme em tsunami. No entanto, a crise não se prevê, vemos a grande onda quando já estamos diante dela, pronta para nos engolir.
Por que, como empresas, para nós é mais fácil mudar diante de uma crise do que nos adiantarmos e evoluir por nossa visão? Confiamos muito em nossas receitas, em nossas experiências e no que nos trouxe até aqui. Costumamos nos basear nas tendências que podemos reconhecer (como o resto das empresas que existem sobre a face da terra), mas a tendência costuma falar do passado, não do futuro. Para poder ver o futuro devemos combinar essas tendências com aqueles sinais do presente e redefinir o que é e o que não é possível.
A pergunta que devemos nos fazer então, é como olhar mais além, como compreender que outra realidade é possível, apesar de que natural e intuitivamente seja quase impossível. Nossa capacidade geralmente não nos permite ver os pontos de inflexão que aparecem no caminho. Como dizia Emmett Brown, o personagem do científico de Volta ao Futuro, “ o futuro não é a continuidade do presente”. Para consegui-lo, devemos evitar tentar adivinhar o futuro para tentar redefinir e reconsiderar. A criatividade se torna a habilidade-chave. Repensar o que é possível.
No entanto, não basta projetar um conjunto de cenários para deixar de olhar em linha reta. Devemos fazer uma vigilância periódica para compreender quais sinais desaparecem, quais se enfraquecem, aqueles que se fortalecem e os novos que emergem. O futuro nunca chegará realmente, mas iremos compreender para onde devemos nos adaptar para que o tsunami possa ser visto à distância e não nos surpreenda sem ferramentas para resolvê-lo. Em um mundo que volta a confrontar a sociedade global com crises de todo tipo, aprender com o passado e com o presente para construir o futuro adquire um valor adicional.
Como diz Dator, o futuro não pode “prever”, mas os futuros alternativos podem ser “prognosticados” e os futuros preferíveis, “imaginados” e “inventados”, explorando o horizonte em busca de coisas novas. Será que os avanços sobre interfaces neurais e viagens espaciais partem do futuro que Elon Musk esteve nos advertindo?
Por Gabriel Weinstein, Sócio e Managing Partner de OLIVIA Europa.
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