BLOG-hernan-tello-Shackleton

A aventura de Shackleton no Endurance

A incrível aventura de Ernest Shackleton a bordo do navio Endurance, resgatada pelo autor americano Patrick Lencioni em As Cinco Disfunções de uma Equipe, oferece diversos aprendizados para líderes empresariais.

Em 1914, o explorador irlandês Sir Ernest Shackleton embarcou em uma das aventuras mais extraordinárias da era das grandes explorações: cruzar a Antártida a pé. O que começou como uma expedição ousada logo se transformou em uma luta pela sobrevivência quando seu navio, o Endurance, ficou preso e acabou destruído pelo gelo. Durante quase dois anos, Shackleton liderou seus homens em condições desumanas — até que todos foram resgatados, sem uma única perda humana. Mais de um século depois, esse feito continua sendo um caso emblemático de liderança, resiliência e trabalho em equipe.

Curiosamente, os desafios enfrentados por Shackleton, nascido em 1874, ressoam com ideias modernas sobre dinâmica de equipes. O escritor americano Patrick Lencioni, em seu livro As Cinco Disfunções de uma Equipe, identifica os fatores que sabotam o desempenho coletivo: ausência de confiança, medo de conflito, falta de comprometimento, fuga da responsabilidade e desatenção aos resultados. Embora Lencioni se refira ao contexto organizacional, os princípios são universais. E poucos cenários testam tanto uma equipe quanto o limite do mundo sob temperaturas abaixo de zero.

Disfunção 1: ausência de confiança

A confiança — entendida como a capacidade de se mostrar vulnerável — é a base de toda equipe funcional. Shackleton construiu essa confiança desde o momento em que selecionou cuidadosamente seus homens, não apenas por suas habilidades, mas também por seu caráter. Durante a expedição, preocupava-se genuinamente com o bem-estar de todos, dividia tarefas e decisões, e não hesitava em admitir incertezas. Seus homens sabiam que podiam confiar nele — não porque ele tivesse todas as respostas, mas porque jamais os abandonaria.

Em contraste, em muitas organizações, os líderes fingem certeza e os membros escondem erros por medo de julgamento. Shackleton mostrou que a vulnerabilidade do líder não é fraqueza, mas o cimento que une uma equipe em tempos de tempestade.


Disfunção 2: medo de conflito

Lencioni afirma que equipes sem confiança evitam conflitos produtivos, permanecendo na zona segura do silêncio. No Endurance, Shackleton incentivava discussões abertas. Ouvia as ideias de seus homens, aceitava discordâncias e sabia quando impor uma decisão. Ele não evitava tensões — ele as gerenciava. Sabia que o conflito, quando respeitoso, fortalece a coesão e revela o melhor de cada um.

Nas empresas, o conflito costuma ser visto como uma ameaça. Mas ignorá-lo é permitir que tensões subterrâneas cresçam até implodir a equipe. Shackleton não permitia isso. Mantinha um termômetro emocional constante e agia com diplomacia e firmeza quando necessário.


Disfunção 3: falta de comprometimento

Quando as equipes não participam do debate, não se comprometem com as decisões. Shackleton evitava isso envolvendo todos nos planos, até nas tarefas mais simples, como a limpeza diária ou o entretenimento improvisado. Mesmo no caos, havia estrutura. Todos sabiam para onde estavam indo — literal e metaforicamente — e qual era seu papel.

O comprometimento não nasce da imposição, mas do senso de propósito compartilhado. No mundo corporativo, líderes que não comunicam uma visão clara ou excluem suas equipes das decisões obtêm obediência, mas não engajamento. Shackleton fez com que 27 homens apostassem nele mesmo quando não havia terra à vista.


Disfunção 4: fuga da responsabilidade

Uma equipe comprometida assume responsabilidades, não apenas com o líder, mas uns com os outros. Durante a expedição, cada um sabia que sua ação — ou omissão — podia significar a diferença entre a vida e a morte. Essa interdependência gerava responsabilidade mútua: se alguém fraquejava, outro o apoiava — mas isso não o isentava do dever.

Em equipes disfuncionais, a responsabilidade se dilui. “Isso não é comigo”, “fiz a minha parte”. Shackleton nunca tolerou essa atitude. Entendia que a responsabilidade compartilhada não é apenas operacional — é moral. É saber que o fracasso de um é o fracasso de todos.


Disfunção 5: desatenção aos resultados

Por fim, Lencioni aponta que, quando o ego, o conforto ou os interesses pessoais se sobrepõem ao objetivo comum, o time fracassa. Para Shackleton, o objetivo deixou de ser cruzar a Antártida e passou a ser salvar cada um dos seus homens. E toda decisão — desde como distribuir a comida até que músicas tocar no gramofone — estava subordinada a esse resultado.

No mundo corporativo, muitas vezes perde-se o foco por agendas individuais ou metas desalinhadas. Shackleton priorizou um resultado tangível e vital — e organizou tudo ao redor dele. O resultado não era um KPI: era a vida.


Sir Ernest Shackleton não leu Lencioni. Mas viveu, com coragem e brutalidade, cada um dos princípios que hoje aplicamos ao management moderno. A história do Endurance é uma lição eterna sobre como liderar equipes diante do desconhecido, como inspirar confiança, fomentar o debate, engajar o grupo, assumir responsabilidades e nunca perder de vista o essencial.

Num mundo corporativo repleto de powerpoints, métricas e diagnósticos, talvez estejamos precisando de um pouco mais de neve nas botas e gelo no olhar para lembrar o que realmente significa liderar.

Por Hernán Tello, sócio da consultoria OLIVIA

 

Se você está interessado neste tema. Quer que entremos em contato com você para resolvermos juntos?