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O setor financeiro está prestes a passar por uma transformação profunda e não é exagero dizer que veremos um novo capítulo na história do dinheiro.

A combinação entre avanços tecnológicos, uma nova mentalidade organizacional e a chegada da inteligência artificial generativa está redesenhando a forma como bancos, fintechs e instituições operam. Processos automatizados, análise de dados em tempo real, atendimento cada vez mais personalizado: tudo isso já está no radar. Mas o que realmente vai diferenciar os líderes desse novo cenário é algo menos técnico e mais humano.

O cenário de transformação do setor financeiro

O setor bancário global está em reconfiguração profunda. Bancos, antes vistos como pilares estáveis de um sistema rígido, enfrentam hoje um ambiente caracterizado por incerteza, velocidade e inovação radical. O que está em jogo não é apenas a digitalização de processos, mas a redefinição completa do papel dessas instituições.

Segundo o estudo Retail Banking 2025 and Beyond, da PwC, o setor vive uma convergência de cinco megatendências:

  • - Avanços tecnológicos disruptivos (IA, blockchain, Web 3.0);

  • - Expansão das finanças embutidas;

  • - Mudança nas expectativas e padrões éticos dos clientes;

  • - Pressão por escala via fusões e aquisições;

  • - Aumento do volume e da complexidade regulatória

Já a Deloitte aponta que os bancos precisam “reforçar a fundação para crescer”, o que exige não só transformação digital, mas também a reconstrução da cultura organizacional — um elemento frequentemente negligenciado e que pode ser o maior obstáculo ou a maior alavanca dessa jornada

Novos modelos de competição e tecnologia

A competição bancária de hoje não acontece mais entre bancos. A verdadeira disputa se dá entre ecossistemas. Plataformas como Amazon, Google, Apple e Mercado Livre oferecem produtos financeiros nativamente integrados à jornada do consumidor. A conta bancária se tornou invisível, um componente silencioso de experiências mais amplas.

A PwC delineia cinco cenários estratégicos para esse futuro:

  1. Revolução na interface com o cliente

    Bancos perdem o contato direto com o cliente, que passa a ser gerenciado por apps de varejo, entretenimento e redes sociais.

  2. Quando o vencedor leva tudo

    Um mercado dominado por poucos gigantes com tecnologia de ponta e poder de escala massivo.

  3. Um setor fragmentado e localizado

    Desconfiança de grandes corporações gera espaço para bancos especialistas e de nicho e soluções hiper focadas e hiper personalizadas

  4. O retorno dos reguladores fortes

    Barreiras à entrada e nova regulamentação dão sobrevida aos incumbentes — desde que alinhem cultura, segurança e transparência.

  5. O desafio das moedas digitais estatais (CBDCs)

    A conta corrente, pilar da relação bancária, migra para o banco central. Bancos comerciais perdem sua principal ancoragem

Nesse novo mundo, o que definirá a sobrevivência não será apenas a tecnologia — mas a capacidade de se posicionar estrategicamente como parte de um ecossistema de valor.

Cultura organizacional como diferencial estratégico

A tecnologia por si só não transforma. O que transforma são pessoas, com mentalidade certa, operando sob uma cultura propícia à inovação responsável.

Culturas que promovem autonomia com responsabilidade, colaboração real e valores éticos claros criam ambientes mais adaptáveis a mudanças e menos propensos a riscos sistêmicos.

Instituições com foco exclusivo em metas financeiras de curto prazo apresentam maior propensão a fraudes e colapsos reputacionais..

Autorresponsabilidade como pilar da inovação sustentável

Bancos inovadores precisarão cultivar um senso forte de autorresponsabilidade entre líderes e times técnicos. Isso significa:

  • - Incentivar a propriedade sobre decisões de design de produto, uso de dados e impactos sociais;

  • - Fomentar o pensamento crítico na adoção de tecnologias;

  • - Recompensar posturas conscientes, não só entregas agressivas.

Colaboração transversal como vantagem competitiva

Em um contexto onde as soluções são cada vez mais interdisciplinares, colaboração entre áreas, entre instituições e entre setores se torna uma habilidade estratégica. A fragmentação cultural é hoje um dos maiores bloqueios para a inovação coordenada em bancos com estruturas legadas.

Ética e governança para a confiança digital

A cultura organizacional deve garantir que a inovação seja ancorada em valores. Isso inclui:

  • - Transparência sobre algoritmos e uso de IA;

  • - Gestão clara de risco reputacional;

  • - Inclusão e diversidade como fontes de inteligência cultural;

  • - Conformidade como princípio de design — e não como barreira pós-projeto.

IA Generativa: disrupção, cultura e governança

A Inteligência Artificial Generativa (GenAI) representa talvez a maior força de disrupção nos bancos desde o advento da internet.

Segundo a Accenture, 73% do tempo de trabalho no setor bancário poderá ser impactado por GenAI até 2030 — combinando 39% de automação com 34% de aumento da performance humana

No entanto:

  • 59% dos CEOs bancários afirmam que a principal barreira não é técnica, mas cultural

  • 50% dos bancos já criam funções inéditas como curadores algorítmicos e engenheiros de confiança em IA

O desafio agora é de governança organizacional da IA, e isso começa por cultura.

Governança da IA exige três bases culturais:

  1. Auto-responsabilidade algorítmica – Desenvolvedores e líderes devem compreender e assumir os impactos éticos de suas decisões.

  2. Colaboração entre humanos e máquinas – Processos de decisão devem integrar o que a IA propõe, mas sempre com supervisão e accountability humanos.

  3. Ética incorporada desde a ideação – Projetos de IA precisam nascer com valores claros, desde o uso dos dados até os possíveis vieses.

 

O valor dos bancos está na cultura

A pergunta que dá título a este artigo — “E se os bancos deixarem de ser bancos?” — não é apenas provocativa. Ela nos obriga a pensar no cerne da questão: qual é o valor real que os bancos entregam à sociedade?

Num futuro onde tecnologia será facilmente replicável, a verdadeira vantagem competitiva será cultural:

  • - Bancos que promovem autonomia com consciência,

  • - Que fortalecem redes colaborativas internas e externas,

  • E que tratam ética como parte da arquitetura de inovação

Esses serão os que merecerão continuar sendo chamados de "bancos" — não pelo nome, mas pelo papel fundamental que desempenham na sociedade.

Por Reynaldo Naves, sócio da Olivia

 

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