
Quando pensamos em liderança, costumamos imaginar figuras capazes de fazer discursos brilhantes e mobilizar suas equipes com grandes gestos.
No entanto, a realidade cotidiana em muitas organizações é bem mais incômoda: líderes tóxicos que ascendem, tentativas fracassadas de distribuir o poder que terminam em frustração e um cansaço generalizado diante de palavras que raramente se traduzem em ações. A paradoxo é evidente: quanto mais falamos de líderes inspiradores, mais espaço parecem ganhar os estilos que corroem a confiança.
Líder tóxico: por que ele é recompensado?
Todos reconhecemos o chefe tóxico. Ele não é uma exceção — é uma figura habitual em conselhos e comitês. É aquele que grita, manipula ou se apropria do trabalho alheio. O surpreendente é que ele não apenas sobrevive, mas muitas vezes é premiado com promoções. A explicação? Gera resultados rápidos: impõe ordem, entrega números, fecha acordos.
A organização celebra o visível e ignora o invisível: a cultura desgastada, o talento que vai embora, a inovação que se apaga.
O problema não é a existência de líderes tóxicos, e sim que os sistemas os recompensam. Enquanto isso continuar, falar sobre o líder do futuro será um exercício vazio.
Empoderar equipes, sempre?
Em paralelo, outro mantra se repete com insistência: empoderar as equipes, fomentar a autonomia, construir estruturas horizontais.
Na teoria, é perfeito; na prática, a história é mais complexa.
Muitas equipes não estão preparadas para assumir essa corresponsabilidade. É mais fácil pedir voz do que sustentar as consequências das decisões. É mais confortável exigir autonomia do que assumir erros.
A liderança distribuída não fracassa por ser uma má ideia, mas porque exige uma mudança cultural profunda que raramente é acompanhada. Sem essa transição, vira um slogan bem-intencionado que se choca contra a realidade.
Liderança e coerência nos objetivos
A isso se soma o desgaste do carisma vazio. As equipes estão cansadas de chefes que falam de propósito no palco e no dia seguinte tomam decisões que contradizem essas palavras. O storytelling emociona por um momento, mas gera desconfiança quando falta consistência.
Hoje não buscamos líderes visionários: buscamos líderes confiáveis.
E essa confiabilidade se resume em uma palavra que raramente aparece nos manuais de gestão por parecer simples demais: coerência.
Líder tóxico vs. líder coerente: dois exemplos de multinacionais
A coerência não é glamourosa. Não gera manchetes nem frases virais. Às vezes é até entediante: regras claras, promessas cumpridas, decisões consistentes. Mas, em tempos de incerteza, essa previsibilidade é revolucionária.
Ela libera as equipes da necessidade de se proteger ou de decifrar contradições, permitindo que se concentrem no que realmente importa: colaborar, inovar, criar.
Os exemplos são abundantes.
A Uber cresceu em ritmo vertiginoso sob Travis Kalanick, mas seu estilo agressivo e sua cultura tóxica explodiram em escândalos, fuga de talentos e perda de reputação. O sistema havia premiado um líder tóxico, e a fatura chegou tarde demais.
Em contraste, Satya Nadella assumiu o comando da Microsoft com um estilo que muitos classificaram como “entediante”: calmo, reflexivo, pouco dado ao espetáculo. Mas a coerência entre o que dizia e o que fazia — abertura, aprendizado, colaboração — transformou uma empresa rígida em um ecossistema inovador e admirado. Não foi um discurso que mudou a Microsoft, e sim a consistência diária de sua liderança.
De heróis a jardineiros
Talvez o futuro da liderança não esteja em fabricar heróis, mas em resgatar jardineiros.
Não os que conquistam com grandes gestos, mas os que cuidam da terra: eliminam a toxicidade, sustentam a desconfortável corresponsabilidade e regam pacientemente a confiança.
Esse tipo de liderança pode parecer entediante, mas muda as organizações por dentro. E em um tempo marcado pela desconfiança, é o único capaz de garantir transformações sustentáveis.
Conclusão: Menos espetáculo, mais verdade
O desafio não é inventar novas etiquetas nem esperar o próximo guru carismático. O verdadeiro desafio é mais simples e radical:
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parar de premiar quem destrói a cultura,
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apoiar de verdade o caminho rumo à corresponsabilidade
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e valorizar o poder transformador da coerência.
Porque, no fim, não lembramos dos discursos brilhantes, mas daqueles que nos fizeram sentir seguros, ouvidos e capazes de dar o nosso melhor.
Esse, paradoxalmente, será o tipo de liderança mais revolucionário do futuro.
Por Gabriel Weinstein, managing partner Europe.