Em todo o mundo, as empresas têm problemas para manter profissionais em postos-chave. Para muitos, a solução passa por mudar o conjunto de regras que as compõem e se tornem mais “humanas”. Pensemos juntos o que isso pode representar.
Um dos fenômenos que mais me deslumbra é o resultado do mix de eventos que impactou sobre nossas organizações nos últimos três anos. A mudança de paradigma que a pandemia acelerou gerou demissões e renúncias de milhões e em todo o mundo. Só nos EUA, o mercado de referência para muitos de nós, 28% da força de trabalho admite ter sido despedido pelo menos uma vez nos últimos dois anos, segundo uma pesquisa representativa da CNBC realizada em junho de 2022. Por outro lado, mais de 57 milhões de pessoas pediram demissão de seu trabalho entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022, segundo as estatísticas do Escritório de Trabalho dos EUA no que passou a ser chamado de a “Grande Renúncia”. Os números se repetem com menos intensidade na Europa e em grande parte dos mercados mais desenvolvidos. Enquanto isso, os aeroportos na Europa e nos EUA sofrem pela falta de carregadores e despachantes. Os restaurantes sofrem pela falta de garçons. A indústria sofre pela falta de pessoal técnico como torneiros, soldadores ou transportadores.
Diante destas mudanças, uma reclamação se escuta cada vez mais forte no mercado. “Devemos humanizar nossas empresas”. Depois do vivido, não posso estar mais de acordo. No entanto, acho que é importante nós sabermos do que estamos falando quando falamos em “humanizar”. E aí os dados nos indicam que humanizar nossas companhias vai muito além da discussão por um modelo “híbrido”, “flexível” ou “integrado”. Por isso, convido vocês a me acompanharem para pensar o que realmente pode significar “humanizar”.
A motivação que temos dentro de nós
Um primeiro conceito que quero destacar é a importância de entender a diversidade de motivos pelos quais uma pessoa trabalha. Se algo nos lembra o presente é que uma pessoa já não trabalha apenas por um salário. A motivação intrínseca de nossa vida laboral é hoje muito mais diversa e diferenciada do que foi antes.
A partir da nossa experiência na Olivia ajudando empresas em todo o mundo a se transformar, descobrimos que estes diferentes desejos e necessidades podem ser ordenados sob três grandes perfis de pessoas. Certamente haverá outras formas de diferenciar as tribos que convivem em uma empresa, no entanto, estes três nos permitem agrupar e refletir os principais desejos que levam uma pessoa toda manhã a trabalhar:
- Os “exploradores”: são pessoas que estão em uma etapa de grande necessidade de aprendizagem. Não procuram necessariamente um cargo ou um salário diferenciador, mas seu principal interesse é enriquecer sua experiência profissional e -em não poucos casos- preparar-se para dar o próximo passo. Portanto, sua motivação do trabalho não se centraliza em “fazer carreira”, mas em gerar valor a seu perfil profissional. Sua principal demanda à empresa é uma projeção de oportunidades de crescimento e que a mesma se cumpra.
- Os “fornecedores”: são pessoas cuja prioridade é a segurança que lhe gera um emprego para poder fornecer sustento à família ou a si mesmo. Sua principal necessidade é então que seu emprego perdure. Esta pessoa é propensa a se adaptar a qualquer modelo de negócio em prol de garantir esse amanhã. Sua principal demanda à empresa é a transparência quanto à segurança do seu cargo.
- Os “crentes”: são pessoas cuja motivação por trabalhar se centraliza na identificação com o propósito da empresa; a causa pela qual a companhia faz o que faz ou representa. A principal demanda deste grupo à empresa é que a organização seja fiel até nas últimas instâncias com o que diz. Quer dizer, a identificação deste grupo de colaboradores se baseia na coerência que a empresa tem com o futuro.
Este tipo de classificação tem seu pilar, evidentemente na herança que a Revolução Industrial deixou que definiu que uma pessoa trabalha principalmente por um salário. À medida que o modelo produtivo mudou, a diversidade de perfis cresceu. Hoje, onde antes havia um motivo que impulsionava as pessoas a trabalhar, há vários.
O ponto que costuma ser esquecido é que todos estes motivos e necessidades convivem na nossa empresa e, em seu conjunto, trazem valor. E este valor não responde nem a uma questão de idade, de experiência de vida nem grupo social, mas à motivação que impulsiona em cada grupo.
Evidentemente haverá motivações que tenham mais propensão para um grupo de objetivos e menos a outro. Por exemplo, os US Marines, como organização, apresentam uma porcentagem de “crentes” maior ao de uma cadeia de supermercados, considerando o propósito que faz a razão de ser dos US Marines. No entanto, também os US Marines têm sua porcentagem de “fornecedores” e “exploradores” através de todas as idades.
A liderança baseada em uma conversa de bordas difusas
É esta diversidade cada vez mais rica que hoje nos interpela como líderes. “Humanizar” nossas organizações tem a ver com reconhecer de forma equitativa os motivos pelos quais nossos colaboradores vêm trabalhar cada dia. Para seguir o exemplo, devemos saber interagir com eles a partir da capacidade inspiradora que os “crentes” requerem; do desafio que os “exploradores” pedem; mas também do reconhecimento que os “fornecedores” esperam. Mas, ao mesmo tempo e talvez ainda mais importante, devemos saber fazer isso velando para que cada um se entenda como uma parte tão importante quanto à outra neste sistema que é nossa organização.
É por isso, que esta liderança se baseia em um constante diálogo de bordas difusas que exige ser transparente e respeitoso em todo sentido. É um diálogo que focaliza e torna evidente a adaptabilidade da pessoa ao sistema mais do que do sistema à pessoa e que envolve por igual o CEO, o chefe, o operário e a estagiária.
A base para consegui isso é uma cultura de aprendizagem, de desenvolvimento pessoal e profissional que permite unir todas estas motivações em uma visão conjunta. Uma cultura que favoreça uma motivação única -por exemplo, exclusivamente os interesses dos “exploradores”- viverá inevitavelmente as consequências de não ser sustentável no tempo e sofrer quando os ventos macroeconômicos mudarem. As demissões massivas nas grandes empresas tecnológicas destes dias refletem exatamente essa realidade.
Nossa cultura organizacional precisa poder abranger mais do que priorizar. Nós conseguiremos mediante uma liderança baseada tanto nos desafios, quanto na retroalimentação e na preservação da segurança econômica. Porque se em nossa organização não temos os valores de justiça, equidade e reconhecimento implementados, todo o dito antes não se sustenta.
Em consequência, a liderança já não pode se concentrar apenas no negócio, mas especialmente nas pessoas e, a partir dali, na sinergia coletiva que representa uma cultura baseada na aprendizagem, no respeito e na visão para preservar um futuro em comum. Aqui começa a humanização de nossas empresas.
Por Alberto Bethke, Sócio Fundador da OLIVIA.