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Nossas organizações continuam contratando 'recursos' e não pessoas. Precisamos mudar o foco. Para conquistar um futuro incerto, precisamos saber quem somos, não apenas o que sabemos. 

O gerente de RH da empresa de alimentos estava em plena entrevista para uma posição de liderança média. Tudo estava indo bem: o candidato - o terceiro do dia - estava interessado; tinha um currículo quase perfeito - nada surpreendente nos tempos de Chat GPT - e fazia as perguntas certas. De repente, o gerente começou a mexer no pescoço; tentou afrouxar a gravata; soltá-la; e desmaiou. Silêncio. O candidato ficou sentado diante da mesa vazia: seu interlocutor estava no chão, mal respirando. Era óbvio que o candidato estava dominado pela surpresa: não sabia o que fazer. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade - eram apenas cerca de 30 segundos - ele se levantou; quase se aproximou do corpo ofegante no chão. No entanto, deu meia volta e, abrindo a porta do escritório, saiu correndo pedindo ajuda. As pessoas fora do escritório não se incomodaram. Algumas até sorriam. Durante a semana, viram mais de uma pessoa sair do escritório de seu colega como se tivessem visto um fantasma. Alguns balbuciavam; outros falavam tão rápido que não podiam ser entendidos. Alguns poucos pediam um copo de água, um pouco de sal e voltavam a entrar. Era apenas mais um dia na rodada final de contratações. 

 

Uma prática que olha para o passado 

Assistir ao vídeo me fez lembrar o quão surpreendente é que ainda hoje coloquemos o futuro de nossas organizações quase exclusivamente no conhecimento das pessoas que selecionamos; não em quem elas são, em sua personalidade. 

Fidelizar talentos é um desafio, como todos sabemos nesta altura. Mas se não conseguirmos atrair as melhores pessoas para nossa empresa, cedo ou tarde, não teremos um futuro a aspirar. 

Hoje, continuamos definindo quem é o 'melhor' com base em métricas e sistemas desenvolvidos para uma época passada. Pedimos currículos; realizamos entrevistas, nas quais frequentemente fazemos as mesmas perguntas - para as quais os candidatos apresentam respostas cada vez melhores - que eles souberam preparar antecipadamente graças a ferramentas como Chat GPT ou similares; no final do processo, muitas vezes nos deparamos, mais de uma vez, com a escolha da pessoa que não era a melhor, mas a mais moldável. Precisamos reconfigurar nossos processos de seleção e especialmente a etapa da entrevista. Caso contrário, continuaremos encontrando os candidatos de que precisávamos no passado, não no futuro. 

 

Como podemos fazer isso? 

Em primeiro lugar, precisamos mudar o foco de nossa busca. Em vez de procurar uma pessoa que tenha o conjunto mais completo de habilidades, deveríamos procurar a pessoa que, além das habilidades, tenha a melhor atitude. Porque em um mundo marcado pela incerteza e pela mudança, pouco nos serve o conhecimento se não estiver apoiado em uma força motriz que não se paralisa diante da mudança, mas a enfrenta: a atitude. 

Para conseguir isso, podemos incorporar em nossas práticas de seleção uma ou mais etapas que testem exatamente isso. Por exemplo, incorporar práticas que saiam do esperado e permitam ao candidato se mostrar de outra forma. Claro, estou me referindo às práticas dos fatídicos Assessment Centers ou Entrevistas de Avaliação Situacional dos anos 90, tão bem imortalizadas em filmes como "O Método" ou também em parte em "O Discurso do Rei". 

O que precisamos é ser capazes de criar momentos de encontro com os candidatos fora da rotina de seleção tradicional que nos permitam conhecê-los em seu lado mais humano e pessoal. A abordagem lúdica oferecida pelas técnicas com Lego é uma alternativa; o conceito de 'momento da verdade' encenado pela cervejaria mencionada anteriormente é outro. 

 

É importante esclarecer que o caso nem sempre se aplica a todos os cargos que precisamos preencher. Obviamente, devemos ajustar a etapa de acordo com a posição que estamos buscando. No entanto, muitos ficarão surpresos ao descobrir quantas grandes empresas hoje estão focadas em conhecer a personalidade e a atitude até mesmo de seu novo porteiro. 

 

Por que precisamos mudar? 

Reconfigurar nosso processo de seleção exigirá, evidentemente, não apenas boa vontade e criatividade, mas em muitos casos, mais recursos e até investimento. O fato de isso não acontecer nem sempre é uma questão de custos, mas também o conforto de muitos de nossos departamentos de RH, que não querem inovar e se expor. Outra razão é a falta de atualização que caracteriza muitos dos responsáveis de área, que acreditam ter o controle sobre a lâmpada de Aladim com base em sua experiência. Seja qual for o motivo - ou a desculpa -, assim como em muitos outros campos - como o de seguros -, deveríamos considerar o 'custo adicional' como um investimento e o desconforto como uma descoberta. Encontrar pessoas que não apenas sabem, mas em toda situação demonstram estar dispostas a percorrer a 'última milha' pode fazer a diferença no final das contas. Sem esquecer seu principal valor agregado. 

 

Hoje, o conjunto de colaboradores que compõem nossa equipe desempenha um papel diferente. No novo mundo do trabalho em que vivemos, com um modelo tão híbrido quanto globalizado, o talento tem o poder de colaborar e decidir se quer trabalhar em nossa empresa. Eles moldam a marca profissional de nossa empresa como nunca antes. Eles sabem que são parte fundamental dela. Podemos aproveitar esse empoderamento também para torná-los parte do novo processo de seleção. Afinal, são eles que estarão trabalhando com a pessoa a ser incorporada. Que melhor incentivo para melhorar nossa marca profissional como empresa do que torná-los parte da formação da equipe. Ao mesmo tempo, os candidatos podem iniciar o processo de integração desde o primeiro momento. Isso ajudará a todos e, em última análise, à nossa organização. Somente assim podemos ter certeza de que, da próxima vez que o mercado nos desafiar, sairemos - como um conjunto de pessoas - em busca da melhor solução para enfrentar o desafio, em vez de nos assustarmos, ou pior, ficarmos paralisados. 

 

Por Claudio Ardissone, Managing Diretor da Olivia España.

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