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Quando a empresa A adquire a empresa B, fala-se nas compras de ações, do valor que representará a operação ou das sinergias que implicará o processo. E o que ocorre com a cultura organizacional? Como deve encarar um M&A (fusões e aquisições) a empresa compradora no momento de unir-se com outra ou de absorver um competidor, do ponto de vista relevante dos Recursos Humanos?

O ponto de partida para uma operação dessas características, aponta Ezequiel Kieczkier, sócio-fundador da consultoria Olivia, especializada em transformação cultural, é ter em mente a razão que levou à aquisição. “Quando a empresa compra a outra pode haver muitos motivos: a tecnologia, o capital humano, a lista de clientes, o market share... Em termos gerais, existe uma preocupação pelo impacto cultural da compra e por preservar o valor do que se comprou”, diz.

Kieczkier explica que as partes (o comprador e o comprado) podem assumir diferentes modelos mentais diante da fusão, com um risco frequente: que priorize a lógica de conquistador e conquistado mais do que a figura do integrador. “E se o vemos do ponto de vista do adquirido, corre-se o risco de que entre em uma lógica de perceber a ameaça mais do que a oportunidade no processo de integração e isso se traduza em uma mentalidade mais evasiva, de guerra e de esconder-se na burocracia da organização”, adverte. “Se é usada uma mentalidade de conquistador e o conquistado é diminuído, corre o risco de perda de valor, do processo de integração. Vimos casos onde uma empresa compra a outra pelo talento e, no meio do processo, ocorre uma fuga terrível desse talento pela má integração”, sentencia o especialista. Há duas tensões enfrentadas em um M&A: uma, de captura de calor do comprado (tratar de manter cuidar do talento da empresa adquirida). Muitos processos de compra focam-se mais na sinergia do que na captura de valor e por esse motivo não são exitosos, explica Kieczkier. O que se deve fazer para que uma fusão chegue a ter sucesso do ponto de vista organizacional e não se produza uma perda de recursos? “Deve analisar-se o processo de integração como a oportunidade de criar uma cultura superior que junte o melhor de ambas empresas'' responde o sócio de Olivia. Criar uma nova cultura, ter as melhores práticas e capturar as oportunidades de negócios. No modelo de conquistadores e conquistados, o que termina ocorrendo é uma batalha de egos que se transforma em degenerativa”.

Para Rubén Figueiredo, professor de IAE Business School, um dos desafios é conhecer “quem é o outro” com antecipação. “O período de 60 dias é o tempo necessário para preparar o terreno antes de “desembarcar” em uma empresa.
“A compra é o melhor momento para implementar uma nova visão e missão organizacional”. Rubén Figueiredo, professor do IAE.

A alta direção e seus colaboradores tentam aprender tudo o que podem sobre a companhia (ou divisão) para compreender seu valor, como operou no passado, como é provável que opere no futuro e, talvez um dos temas mais importantes- como vai se juntar com a outra parte”, explica. Figueiredo afirma que é necessário realizar uma análise de capacidades existentes para determinar se, por exemplo, os empregados possuem as habilidades e as competências corretas para levar adiante o plano de negócios da etapa pós-fusão ou se existe entre eles o potencial para formar-se e desenvolver novas habilidades. “Mas o maior fator de fracasso nesta fase da operação é subestimar as dificuldades que se apresentarão ao unir as duas culturas. Uma fusão/aquisição exitosa requer um diagnóstico e uma avaliação das crenças, valores e estilos das duas organizações e um julgamento sobre o grau de probabilidades que existe de conseguir uma união que agregue valor à relação”, ressalta. Cecília Pedró, professora do Departamento de Economia e Desenvolvimento Profissional do ITBA (Instituto Tecnológico de Buenos Aires), concorda que a etapa de pesquisa e diagnóstico inicial é imprescindível.

“É crítico pôr em palavras as linhas principais de para onde queremos ir e indagar o status da organização em três dimensões”, explica. E enumera esses três aspectos: a história da companhia adquirida (marcos de desenvolvimento e crescimento, os símbolos que forjaram o sucesso e os fracassos); quem são seus referentes(os líderes que deixaram uma marca validada pelos integrantes); e quais são suas políticas formais e informais (como se compensa os empregados, se reconhece o desempenho e se cresce na organização).

60 dias antes do M&A e 100 dias após

100 dias é o período decisivo após a compra de uma empresa para realizar as mudanças que sejam consideradas necessárias.

Assim como ocorre quando um novo governo assume, fala-se dos 100 primeiros dias como o período decisivo nos processos de compra de empresas. Kieczkier aconselha a pôr atenção também, nos 60 dias prévios, com a necessidade de preparar o terreno. É a etapa em que não se concretizou ainda o desembarco efetivo, mas a transição já está fechada. Nesse lapso, opina, o comprador deve adaptar sua mentalidade para não desvalorizar o outro e identificar boas práticas, talento e capacidades decisivas. E o comprado pode fazer seu próprio processo também, para ter uma mentalidade aberta e mostrar-lhe a oportunidade de suas best practices”. Empurrado pela transformação digital, o setor tecnológico é um dos mais dinâmicos no segmento M & A. Como um ator destacado desta tendência, Globant vem protagonizando um ciclo de compras: somente nos últimos anos, ficou com GA e Bellatrix e com as estrangeiras Avanxo (Colômbia) e Blue Cap (Espanha), entre outras.

“Em sua história, Globant tem 16 aquisições”, detalha Mauricio Salvatierra, TDC Manager da companhia na Argentina. “Sempre dizemos que queremos ser a melhor empresa de desenvolvimento de tecnologia do mundo e que apostamos em manter o talento em seu lugar de origem. São duas frases de cabeceira, diz Salvatierra. “Em uma indústria agressiva, de crescimento exponencial, onde todos estamos competindo pelo talento, os motivos das aquisições têm a ver com isso.



As reações diante de uma fusão

Tentamos agregar talento o tempo todo. As aquisições são uma forma de fazê-lo. E comprar nos permite continuar com nossa expansão no mundo”, define a estratégia. Salvatierra entrou na companhia em 2006, três anos depois de sua fundação e foi o encarregado de abrir o primeiro escritório fora de Buenos Aires, em Tandil (a empresa hoje tem 12 sedes no país). Também liderou a aquisição da Clarice Technologies na Índia, em 2015, e trabalhou nesse país durante mais de um ano no processo de integração. “Buscamos companhias que tenham certa semelhança cultural conosco. Não vamos comprar uma que não tenha”, diz. De todo modo, admite que o processo de incorporação de uma nova empresa à estrutura é delicado e requer muito esforço de todas as áreas para que seja exitoso. “Quando se compra uma empresa de outro país, estão sendo adquiridos outros pensamentos, outra cultura. Embora existam certos padrões, a organização pode funcionar com outras necessidades e velocidade. É um processo sensível e há muita energia envolvida”, afirma.

O executivo aponta que a Globant encontrou uma forma de transmitir sua cultura à companhia absorvida: enviar alguém com história, formado no DNA da firma: “Se olhamos o histórico de aquisições, em cada lugar fora da Argentina sempre houve um glober (assim os colaboradores são chamados) que tinha a nossa cultura e que acompanhou em todo o processo e o continua fazendo”, indica.

O primeiro ano após a compra é muito intenso, reconhece. “Todas as áreas- de tecnologia a recursos humanos e infraestrutura- estão todas focadas em que o processo de integração e transformação da nova glober seja o mais tranquilo possível”, expressa. Os padrões de segurança a níveis internacionais (Globant é uma empresa que cotiza na Bolsa dos Estados Unidos), é um dos primeiros pontos que devem ser unificados nessa absorção e aos que os novos integrantes deverão acostumar-se. O mesmo ocorre com as políticas e benefícios, que podem diferir e deverão ser unificados.
Embora sejam exitosas, as fusões e aquisições são traumáticas para os envolvidos, explica Rubén Figueiredo, professor de IAE Business School.

“O custo pessoal que a organização em seu conjunto deve “pagar” é sempre importante, seja pelos enfrentamentos culturais, por como ficam aqueles que permanecem na organização tendo “sofrido” o processo e por aqueles que são as pessoas que devem sair e como o fazem”, diz”. As prováveis reações:

  • Estresse ou ansiedade coletiva, insegurança, sensação de prestar contas aos diferentes níveis das empresas e com diferentes características.
  • Perda ou crise de confiança na Direção da empresa.
  • Temática obsessiva de “sobrevivência”.
  • Geração de rumores.
  • Sensação de perda de identidade.
  • Mudança de lealdade entre líderes, que gera aparição de novos vínculos e uma nova organização informal.
  • Sentimento de “contrato psicológico quebrado”.
  • Estratificação “nós/eles”, “novo/velho”, “conquistador/conquistado”.


Cuidado especial

O que deve fazer a empresa que protagoniza o M&A com a cultura da adquirida, se não pretende desconsiderar e sim integrar? “Pelas características que propõe o “choque” cultural, deve considerar-se este tipo de situações como algo totalmente novo para a organização e seus integrantes, que requer um cuidado muito especial e não como “uma crise mais, uma de tantas outras”. “Uma maneira positiva de entendê-lo é resgatar o melhor de ambas partes, coisa que não é simples de implementar”, reflete Figueiredo. Nesse caminho, o professor do IAE recomenda um intenso trabalho no desenvolvimento e a consolidação da equipe de direção e de outras múltiplas equipes dentro das diferentes unidades.

“É o momento para implementar uma nova visão e missão organizacional e estabelecer os objetivos apropriados. Requer que além das estratégias, as novas pautas culturais, as políticas e sistemas, os papéis e expectativas individuais se clarifiquem e sejam adequadamente comunicados”, aconselha.

“Sensibilidade, escuta e empatia. O plano inicial, além de que possa contar com o aporte de diferentes olhares, terminam consolidando-o e definindo uns poucos que têm a responsabilidade por essas decisões. E ainda quando esse plano seja de intervenção e mudança, é muito saudável e conveniente que os que vão levá-lo adiante não percam de vista a humanidade na comunicação”, aponta Pedró, do ITBA, em reconhecimento das incertezas e temores que despertam um processo de fusão. E conclui: “Destinar tempos para compartilhar a visão é decisivo. O tempo não somente não sobra, como é um fator de pressão que joga em contra. Por isso, a recomendação é sempre investi-lo com sensibilidade em comunicação efetiva para mitigar os erros que podem produzir sua carência”.

 

Por Ezequiel Kieczkier, Sócio de Olivia

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