O começo de 2022 está sendo marcado por uma discussão transversal em todas as organizações, como se fosse um dilema shakespeariano, voltar ou não voltar? Eis a questão. Muitas empresas passaram anos discutindo se os colaboradores poderiam trabalhar em home office, até que fomos forçados a isso. Agora a questão é: se podemos, se queremos e como vamos voltar? O mindset mudou. O que parecia inaceitável virou nossa rotina. Nos adaptamos e descobrimos o ônus e o bônus de trabalhar em casa. Sentimos falta do convívio, do cafezinho, mas não estamos mais dispostos a nos aglomerar no transporte coletivo ou enfrentarmos o trânsito nosso de cada dia.
Nesse contexto, poucas empresas estão pensando ou planejando a organização do futuro, que junta os dois mundos e potencializa o melhor do nosso talento com a capacidade de gerar resultados, numa nova dinâmica entre equipes e lideranças.
As empresas descobriram que não precisam de “babás” para saber se seus colaboradores trabalham direitinho, mas de líderes que realmente desenvolvam suas equipes num ambiente de autonomia e responsabilidade, envolto em confiança e colaboração. Mais do que nunca, um ambiente físico e emocionalmente seguro, com respeito às diferenças, flexibilidade e liberdade para se expressar é pré-requisito para reter as pessoas. O controle está com os dias contados.
Por outro lado, o trabalho invadiu a vida pessoal e está gerando um aumento significativo de burnout, mas também tem nos ensinado a colocar limites. Começamos a aprender a dizer não e preservar a qualidade de vida para manter a saúde mental. Fomos de um extremo ao outro durante a pandemia e agora é a hora de encontrar o equilíbrio. Empresas e colaboradores precisam pensar juntos e cocriar o futuro do trabalho, para que as lições aprendidas não fiquem apenas no papel.
Retornar, muitas vezes,nos parece voltar atrás, mas o retorno pode ser a melhor opção para descobrir um novo caminho. Estamos caminhando por onde nunca havíamos andado, mas muitos ainda insistem em tentar encontrar a mesma rota de antes. A verdade é que ela não existe mais. Achar que vamos voltar àquela rotina de antes é o mesmo que querer dirigir olhando pelo retrovisor. A relação das pessoas com o trabalho já mudou, não é mais a mesma e nunca será. Mas por que ainda queremos voltar a algo que não existe mais? Apenas por saudosismo de um lugar que outrora nos parecia seguro? Pode ser...
A ansiedade gerada pela incerteza e a necessidade de uma rápida adaptação a uma realidade nunca vivida, abriu espaço para um novo mindset. Nos descobrimos muito mais adaptáveis do que pensávamos, capazes de romper certos paradigmas e, principalmente, muito mais conscientes do quanto nós mesmos somos prioridade. Segundo o jornal New York Times, “Para um número crescente de pessoas com suporte financeiro e habilidades comprovadas, a ansiedade e a angústia do ano passado foram substituídas por um novo tipo de ousadia profissional." Na medida em que saímos da pandemia, um número recorde de pessoas estão pedindo demissão e buscando novas oportunidades.
Só nos Estados Unidos, 53% dos trabalhadores admitem que se tivessem a oportunidade de se reciclar, apostariam em um emprego em uma nova empresa, segundo levantamento da seguradora Prudential. Segundo uma pesquisa da Microsoft, 40% da força de trabalho global está considerando deixar seus empregos este ano.
A falsa ideia de segurança gerada por empregos formais, com carteira assinada e um bom pacote de benefícios, começou a cair por terra e abrir espaço para novas possibilidades. Num mundo conectado, as fronteiras não existem mais. Empresas que eram até então tradicionais e conservadoras nas suas políticas de RH, que ainda discutiam se deveriam ou não e como poderiam abrir a opção de home office para seus colaboradores, já estão contratando pessoas para posições 100% remotas. É claro que ainda existem preocupações trabalhistas com o novo modelo e, dependendo do segmento, há mais restrições de ordem cultural do que prática para o trabalho remoto.
Mas uma coisa é certa, quem souber se despir da velha roupagem do escritório com carteira assinada e horário fixo, encontrará, literalmente, um mundo de oportunidades. Oposto ao que aconteceu nos anos 2000, quando empresas com arrojado modelo de gestão, que colocaram abaixo os horários fixos, mas apenas para a saída e impuseram um ritmo frenético, a flexibilidade de hoje vem, com uma nova dinâmica de respeitar limites e equilibrar a vida. Aqueles que trabalham melhor à noite, já podem fazer o óbvio, que é dormir até mais tarde, sem serem rotulados de preguiçosos.
Por outro lado, parece que a pandemia oficialmente nos deu permissão para termos vida além do trabalho, com todos os problemas que ela carrega. Pela primeira vez, as pessoas se deram conta que o trabalho impacta diretamente a saúde psíquica e mental. Uma pesquisa feita pela Asana com 13 mil colaboradores de 8 países que trabalham na produção de conhecimento, identificou que 71% deles tiveram burnout no último ano. E existem dois pontos essenciais em relação a isso. O primeiro é que a falta de limites de horários na rotina de home office somado à toda questão da pandemia, o medo de contágio, a perda de pessoas próximas e a invasão do trabalho na vida doméstica, sem dúvida, provocou um aumento significativo desse tipo de enfermidade. Mas um outro ponto é, que em função do momento, aqueles que já vinham enfrentando isso, se sentiram à vontade para expor sua fragilidade. Muitas empresas ofereceram serviços de acompanhamento psicológico aos seus colaboradores durante a pandemia. Um assunto que antes era um tabu, finalmente veio à tona e demonstrou o quanto o mundo corporativo está mentalmente adoecido.
Pensar no Futuro do Trabalho é bem mais amplo do que simplesmente definir um modelo de trabalho remoto. Requer um repensar cultural da organização e uma mudança de mindset em todos os níveis. Alguns hábitos outrora condenáveis, como um cochilo após o almoço e pausas mais frequentes, vêm sendo incentivados por empresas que começam a entender que há um ser humano trabalhando que o bem-estar dele contribui para o sucesso da organização.
E uma das questões que surge é entender o que é o bem-estar do colaborador. Para cada um, há uma referência distinta de bem-estar. Esse é um dos pontos que as empresas estão debatendo sem saber como estabelecer critérios e até mesmo programas de bem-estar. Novamente a cultura corporativa é colocada em cheque. Porque a empresa não mudou, quem mudou foram as pessoas e as organizações começam a ver uma transformação cultural silenciosa acontecendo de baixo pra cima.
Para empresas mais tradicionais, essa transformação parece envolta em rebeldia ou até mesmo em excessos, achando que os colaboradores estão “se sentindo no direito” de fazer escolhas. Mas vamos colocar os pingos nos ís? Empresas são feitas de pessoas, pessoas são livres pra escolher se querem ou não viver essa realidade. Mas como combinado nunca sai caro, o que falta é justamente isso, clareza de ambas as partes. As empresas não comunicam seus planos de volta ao presencial e surpreendentemente, os colaboradores começaram a falar sobre o que querem, o que não querem e como se sentem. E nesse processo, a cultura da empresa, que é feita pelas pessoas, está se transformando naturalmente. Quem já se deu conta disso, está aproveitando a onda e começou a cocriar uma alternativa que atenda a ambos os interesses, sabendo que a imposição de um modelo vai gerar muito mais que apenas uma insatisfação temporária.
Então, o que precisa mudar? Muitas coisas, a começar pelo mindset da liderança. Reter colaboradores definitivamente não está mais ligado à remuneração. Produtividade e performance precisam ser reavaliadas tanto na forma de estabelecer indicadores como na maneirade mensurar. A avaliação dos perfis comportamentais ganhou relevância tanto na contratação, como na realocação de profissionais. O desenvolvimento do colaborador pode ser ampliado e focado naquilo que realmente importa para cada um. Engajamento e comunicação ganharam outro alcance e a conexão entre as pessoas, um novo significado.
Como o trabalho remoto pressupõe autonomia, isso exige que responsabilidade e liberdade andem juntos. E pra isso, algumas novas habilidades precisam ser desenvolvidas, entre elas a autogestão e alinhamento de limites. A busca por autoconhecimento e o desenvolvimento da inteligência emocional também cresceram, pois muitos estavam acostumados a serem gerenciados em vários aspectos e começam a efetivamente assumir responsabilidade pelas suas escolhas, decisões e atitudes. Numa realidade onde não existe mais alguém ali olhando o que o colaborador está fazendo, tanto líder quanto liderado terão que além de tudo isso, estabelecer uma relação de confiança.
Nesse processo, descobrimos que determinadas atividades funcionam muito melhor sendo feitas remotamente. Quer um exemplo? Que tal fazer o orçamento anual no escritório com todo mundo interrompendo seu raciocínio para perguntar alguma coisa? E preparar uma apresentação para a reunião de diretoria? Ou escrever um texto, como esse? Muito melhor fazer remotamente. Mas também saímos desses dois últimos anos sabendo que estar junto com a equipe gera conexão e potencializa a criatividade, a inteligência coletiva: ideias surgem em bate-papos no café e soluções vêm à tona quando pensamos juntos. Então fica a questão para refletir: Para que vamos voltar? Se isso não estiver absolutamente claro e devidamente comunicado, qualquer plano de retorno vai gerar ruído e resistência na organização, porque simplesmente vai ficar claro que a empresa não sabe onde quer chegar. E num mundo no qual ter propósito claro passou a ser importante, isso tem que ser prioridade para a organização.
Encontrar esse novo caminho requer abarcar todos esses aspectos. É um trabalho multidisciplinar que precisa de especialistas, para juntos criarem o Futuro do Trabalho.
Por Guido Olomudzski, Chief Customer Office - OLIVIA Brasil