Uma situação do mundo do futebol serve para ilustrar algo que pode ocorrer nas organizações: O ex-jogador e técnico alemão Hansi Flick assumiu em 2024 como diretor técnico do clube Barcelona com uma decisão que desafiou a lógica de mercado: “Não preciso de nenhum jogador, eu me viro com o que tenho”. Um ano depois, ele levou o clube catalão de volta ao pódio. Enquanto outros times investem fortunas em contratações, Flick alcançou a transformação com as mesmas peças: deu espaço a jovens, mudou posições e fez ajustes estratégicos. O time era outro, mas com as mesmas pessoas.
Um dos dilemas mais complexos da liderança organizacional: ao assumir um novo papel, você mexe no time ou joga com quem já está lá?
A tentação de mudar imediatamente: O erro mais comum do novo líder
A pressão é imediata. Novo CEO, diretor de área ou gerente de equipe: todos chegam com a expectativa implícita de que algo deve mudar. E o mais visível, o mais dramático, é mexer nas pessoas.
Mas há uma armadilha nessa lógica. É como quando um presidente chega e entra com o gabinete completo debaixo do braço, ou quando os diretores técnicos vêm com suas pastas de "homens de confiança". Na política pode funcionar, mas em organizações que buscam continuidade e crescimento sustentável, essa estratégia pode ser devastadora.
O primeiro erro está na ordem das decisões. Antes de avaliar quem fica e quem sai, há uma pergunta mais fundamental: O que vamos jogar?
Visão clara, equipe vencedora: A chave para uma transformação bem-sucedida
A liderança não é um concurso de popularidade. Um líder que chega deve definir qual é a sua visão de time: Seremos uma equipe de passes curtos ou de jogo direto? O objetivo é ganhar o campeonato local ou construir para os próximos 20 anos?
Só depois de definir a estratégia vem a pergunta sobre as pessoas. E aqui aparece uma dinâmica bidirecional que muitos líderes ignoram: em uma era onde o talento escolhe, a decisão não é apenas do líder. O colaborador também pode decidir que não quer jogar sob essa visão e buscar outro time.
A chave está no processo: primeiro se explica o sistema de jogo, dá-se a oportunidade de adaptação, e só depois se avalia se a pessoa se encaixa ou não. Mas atenção: isso requer tempo, e o tempo é o recurso mais escasso nas organizações modernas.
Resultados vs. paciência: O dilema do tempo na liderança
Aqui surge a tensão central: Temos tempo para a adaptação ou precisamos de resultados imediatos? Se o objetivo é construir o melhor time dos próximos 20 anos, um líder talvez possa se dar ao luxo da paciência estratégica. Se for preciso vencer o próximo trimestre, as opções se reduzem.
O problema é que vivemos em um mundo onde todos querem 20 anos de sucesso, mas também exigem vencer o campeonato que está por vir. É como quando o ex-jogador brasileiro Carlo Ancelotti assumiu como técnico da seleção brasileira: ele pode prometer ganhar campeonatos mundiais no futuro, mas primeiro precisa mostrar um bom desempenho no próximo.
Essa pressão temporal leva muitos líderes a tomar decisões apressadas que destroem valor a longo prazo. Eles trocam equipes inteiras para mostrar autoridade, sem dar uma oportunidade real de adaptação.
Quando o líder vem de casa: Vantagens e desafios da promoção interna
A dinâmica muda completamente quando o novo líder surge das próprias fileiras organizacionais. Como aconteceu com Lionel Scaloni na Seleção argentina: ele veio de dentro, conhecia as peças e seus movimentos. Não tinha a desculpa do processo de avaliação porque já havia estado ali.
Promover de dentro tem vantagens evidentes: diminui o tempo de acoplamento, o líder entende a lógica organizacional e sabe onde está o talento real. Mas também traz desafios únicos: as decisões podem custar mais por causa dos laços prévios e, paradoxalmente, pode haver menos paciência porque "ele já deveria saber o que fazer".
Além disso, aqueles que não conseguiram o posto podem se tornar detratores. Mas aqui retorna a premissa inicial: a liderança não é um concurso de popularidade. As decisões precisam ser tomadas de qualquer maneira.
A decisão "Antipática" necessária: Por que um bom líder deve tomar decisões difíceis
Às vezes, ser eficaz exige decisões que parecem antipáticas. O Iron Maiden, por exemplo, teve duas mudanças principais de vocalista em sua história: a decisão de substituir seu vocalista não deve ter sido fácil. Mas, graças a essa determinação, a banda continuou sendo uma das mais bem-sucedidas do mundo.
Nas organizações acontece o mesmo. Ser "antipático" não é ser um mau líder; às vezes é tomar as decisões que dão coerência ao plano de negócios e garantem que a equipe esteja preparada para o desafio real. A chave é que essas decisões sejam conscientes, informadas e coerentes com a visão estratégica, e não caprichos de poder ou gestos vazios de autoridade.
Conclusões para o novo líder: Guia prático para a tomada de decisões
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Definir primeiro a visão de jogo: Antes de avaliar pessoas, seja claro sobre a estratégia e os objetivos. O time é avaliado em função do plano, não o contrário.
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Dar oportunidades reais de adaptação: Especialmente se o líder vier de dentro, permita que as pessoas demonstrem se podem se ajustar ao novo sistema antes de tomar decisões definitivas.
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Reconhecer as limitações temporais: Seja honesto se você mesmo tem tempo para a transformação gradual ou se são necessárias mudanças imediatas. Ambas as abordagens podem ser válidas, dependendo do contexto.
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Tomar as decisões difíceis: Se, após um processo de avaliação genuíno, alguém não se encaixa, aja. A inação também é uma decisão, e costuma ser a pior companheira.
O dilema do novo líder não se resolve com fórmulas mágicas. Resolve-se com clareza estratégica, processo genuíno de avaliação e, quando necessário, com a coragem de tomar decisões impopulares, mas corretas. Porque, no final, como no futebol, ganha-se com estratégia clara e as pessoas certas em cada posição.
Por Alberto Bethke, sócio-fundador da consultoria Olivia.