A diversidade não se impõe, se cultiva.
Nossas organizações não estão alheias ao grande debate sobre diversidade, que desperta paixões tanto no setor público quanto no privado. Como podemos aproveitar esse debate sem cair no erro que já nos alertava o autor de A Revolução dos Bichos?
Faz alguns meses, os comentários de presidentes como Javier Milei e Donald Trump sobre a cultura “woke” provocaram uma onda de indignação: fortes demais, misóginos demais, “demais” em tudo. Claramente, ambos adotaram posturas extremas. Geraram críticas e oposição em nível global — inclusive dentro de nossas próprias empresas.
É razoável supor que se atreveram a posicionar-se com tanta veemência sobre um tema tão sensível — como é a defesa dos direitos ligados à diversidade — porque esperavam tirar algum proveito da onda de indignação que causaram. Ambos são políticos experientes — alguns diriam “oportunistas” — demais para não tentarem surfar um debate latente nas sociedades que representam.
De fato, Trump voltou a atacar a “cultura woke” nada menos que em seu recente discurso diante das duas Casas do Congresso dos EUA, em 4 de março: “Our country will be woke no longer”, sentenciou o novo presidente norte-americano. Pelo menos 36,6 milhões de pessoas assistiram às suas palavras, segundo a empresa de pesquisa Nielsen.
Diante da onda de indignação e polarização mundial, convido você a parar para refletir. O tema é importante demais para ser dominado apenas pelas emoções, especialmente dentro das nossas empresas. Ainda mais em um momento em que nossas organizações estão mais expostas do que nunca pelas redes sociais e competem em um mundo cada vez mais conectado.
Por que não podemos ignorar esse desafio
Quem acha que é só “esperar a poeira baixar”, como dizemos na Argentina, está brincando com fogo. A diversidade sempre foi um dos campos mais valiosos e enriquecedores que uma organização pode ter. Hoje, mais do que nunca.
Com o avanço da tecnologia, nossas empresas competem num cenário global em todos os aspectos: para vender nossos produtos e serviços, mas principalmente para atrair os melhores talentos. E esses talentos têm a diversidade como prioridade em sua mentalidade.
Então, por que é importante diferenciar “woke” de diversidade — especialmente para nossas empresas? Para lembrar por que — e como — a diversidade tem o poder de transformar organizações em espaços únicos, capazes de valorizar as individualidades em prol do bem comum. E por que o “woke”, ao contrário, pode acabar contrariando justamente esse propósito.
Um exemplo: no último ano conheci várias empresas que contratam pessoas da Indonésia, por exemplo. Mas não por seu talento ou por trazerem uma visão diferente à cadeia de valor da organização — e sim porque sua presença ajudava a empresa a se apresentar como “diversa” e melhorar sua “marca empregadora”.
Mais do que um erro conceitual, isso revela uma grande falta de visão de futuro por parte da liderança. Para evitar cair em debates estéreis, é bom lembrar o que normalmente entendemos por diversidade e por “woke”.
Diversidade: um direito; o woke, um mandado
Acho que, depois dos últimos anos, podemos concordar que a diversidade é entender que todos temos diferentes paradigmas mentais — e que também temos o direito e a liberdade de escolher quais deles queremos que nos guiem. Isso inclui sexualidade, religião e tantos outros aspectos.
É um direito de escolha individual: decidir livremente quem queremos ser e como queremos ser. Reconhecer a diversidade é compreender que esse direito é íntimo e deve ser respeitado como tal. E acima de tudo, é uma liberdade que precisa existir para ser exercida.
Já o termo “woke” tem raízes na luta racial dos EUA. Surgiu dentro da comunidade negra americana e originalmente significava estar atento às injustiças raciais. Ganhou força na última década com o movimento Black Lives Matter, em resposta à brutalidade policial contra pessoas negras. Em 2017, o dicionário Oxford adicionou esse significado: “Estar ciente de questões sociais e políticas, especialmente o racismo”. Hoje, a cultura woke abrange feminismo, direitos reprodutivos, causas LGBTQIA+ e mais.
Com o nobre objetivo de defender os direitos das minorias e dos mais vulneráveis, a cultura woke acabou se tornando um mandado: o de defender essas pessoas para que sejam vistas.
O problema é que esse mandado deixou de ser individual e passou a ser imposto à sociedade como um todo. E, por consequência, também às empresas e organizações. Quem não cumpre — ou pior, ousa questionar — deve ser criticado, silenciado ou até mesmo “cancelado”.
É aí que o woke transforma a defesa da diversidade em um fim em si mesmo. Impõe a obrigação de priorizar o que é diferente acima de qualquer outro objetivo. E esse é seu principal erro.
A diversidade gera valor dentro da liberdade que promove
Lembremos: os direitos surgem quando o bom senso falha em regular a convivência. O direito é a resposta ao fracasso do bom senso. É um marco criado para organizar a vida social justamente porque o bom senso não é mais suficiente.
Por isso, o direito não pode ser um fim em si mesmo.
Celebrar e promover a diversidade apenas por ela mesma é transformá-la em pensamento único. Mas a verdadeira diversidade não só defende o que é diferente — ela respeita o que é diferente. É uma diversidade que se sabe incompleta. Que não impõe, mas convida. Que funciona e gera valor graças à liberdade que sustenta, e ao compromisso voluntário que isso desperta.
Não há inovação, nem evolução, nem futuro sem esse tipo de diversidade. E três áreas mostram isso claramente:
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Inovação: nasce quando há espaço para pensamentos diferentes se encontrarem e se desafiarem — com respeito, não por imposição. É nesse cruzamento que nasce a ideia disruptiva, o tão buscado “fora da caixa”.
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Excelência: vem quando entendemos que colocar nosso talento e individualidade a serviço do coletivo não nos diminui, nos fortalece como time. Um time com 11 Lionel Messis está fadado ao fracasso. Até mesmo um Messi falha como goleiro.
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Produtividade: não nasce da obrigação, mas do desejo genuíno de evoluir, motivado pela diversidade e pelas capacidades individuais, dentro de uma competição saudável.
Insisto: defender os direitos das minorias é uma obrigação. A história dos direitos civis nos EUA e os movimentos feministas que transformaram sociedades provam isso. E também deve ser uma obrigação dentro das empresas.
Mas a exaltação do diferente só por ser diferente não é. Como nos ensinou George Orwell em A Revolução dos Bichos, tentar impor um conceito à força — nivelando as diferenças para obrigar todos a celebrá-las — acaba, cedo ou tarde, virando uma ditadura.
A diversidade floresce na liberdade, não no mandado
Não é função de uma empresa resolver os problemas e injustiças da vida. As empresas são, antes de tudo, fontes de renda: para si mesmas e para seus colaboradores. Esse é o mínimo. Na melhor das hipóteses, conseguem também ajudar seus integrantes a realizar seus propósitos pessoais.
Um exemplo é a marca Patagonia, que integrou sustentabilidade ao seu modelo de negócios e à venda de roupas de alta qualidade.
Entre esses dois extremos — gerar renda e contribuir positivamente com a comunidade — está a verdadeira responsabilidade das organizações: criar valor por meio de seu negócio.
Por mais que desejemos, acreditar que as empresas são chamadas — ou pior, obrigadas — a serem bastiões dos direitos dos mais frágeis é esquecer sua razão de existir.
Acreditar que uma organização só será bem-sucedida se fizer da diversidade — como exige a cultura woke — sua missão principal é confundir os papéis. A responsabilidade de buscar a felicidade ainda é individual. O que a empresa deve oferecer é respeito, meios e liberdade para que cada um a alcance. Nada mais, nada menos.
Vamos celebrar a diversidade que, na liberdade, nos impulsiona a crescer, competir e evoluir. Tenhamos coragem de defendê-la com liberdade — não por imposição. E tampouco com arrogância ideológica.
Como líderes organizacionais, temos apenas um mandado: criar ambientes onde, com a maior diversidade possível, nossos times tenham liberdade e ambição para gerar produtos e serviços realmente transformadores.
Não se trata de mais ou menos home office, de mais ou menos dia do pet. Também não se trata de ser mais ou menos politicamente correto. Nada disso nos torna únicos.
O que realmente nos diferencia é o espaço de liberdade que criamos — e protegemos todos os dias — para que a diversidade que representamos como grupo humano possa florescer. Só assim seremos uma empresa única. E diferente de qualquer outra.
Por Alberto Bethke, sócio fundador.