O segredo intangível que deixa uma marca e constrói um legado
Nossas organizações dependem de equipes motivadas e criativas para serem indispensáveis aos nossos clientes. Mas mesmo a melhor equipe não garante o sucesso. É preciso algo que o dinheiro não pode comprar: a mística.
Recentemente, assisti a um filme que destaca uma preocupação pertinente para a época em que vivemos, especialmente em nossas organizações. Nele, um jovem Lee Lacocca, então gerente de vendas da Ford, é encarregado de explicar ao seu impaciente chefe, Henry Ford II, por que as vendas em 1966 estavam caindo. O dilema do herdeiro do então ícone da indústria automobilística americana se resume a uma pergunta: “Meu avô inventou a produção em massa. Éramos a marca mais vendida do mundo; representávamos o sonho americano e hoje os clientes não vêm mais até nós: temos que ir buscá-los. Enquanto isso, na Itália, Enzo (Ferrari), com um processo de produção que vaza por todos os lados, pode pedir qualquer preço, e eles o compram. Como e por que, Lacocca?” Lacocca, que décadas mais tarde se tornaria um símbolo de seu setor, responde-lhe com franqueza: ”Porque as Ferraris são tudo o que gostamos em um carro. Uma Ferrari é um carro que tem mística”. Para aqueles que querem saber como essa história real termina, o filme se chama Le Mans '66 e é estrelado por Matt Damon e Christian Bale.
O histórico de ambos os fabricantes de automóveis até hoje ressalta que a mística não é pouca coisa, especialmente em um momento como o atual. Portanto, vale a pena refletir sobre esse ativo intangível e sua relevância futura.
O que é mística?
De acordo com a RAE, é “a união do homem com a divindade por meio do êxtase”. Além das crenças, ela simboliza uma força transcendente. Em termos organizacionais, a mística está relacionada à forma como fazemos o que fazemos ao longo do tempo.
A mística não vem do orçamento, das vendas ou da marca, mas das pessoas que compõem a organização. Ela não é imposta por mandato ou adoração de figuras; ela surge de uma cultura de melhoria contínua que todos adotam. Por esse motivo, ela destaca tanto as empresas quanto as pessoas que as compõem.
Bons exemplos são o grupo têxtil Patagonia Inc., a holding argentina Perez Companc, a já mencionada Ferrari, o Real Madrid e a extinta Arthur Andersen.
O Real Madrid, por exemplo, é um ícone conhecido como a “Casa Branca” do futebol. Em contrapartida, o Paris Saint-Germain, apesar de ter estrelas como Mbappé, Neymar e Messi, não conseguiu gerar o mesmo nível de aspiração. A diferença não está nos fundos ou no talento, mas na mística.
No mundo corporativo não é diferente. Para atrair talentos, consumidores, clientes e se tornar uma referência, precisamos de algo que vai muito além da marca. Dito de outra forma: para gerar mística, não basta ter uma marca; é preciso saber como deixar uma marca na história e na mente das pessoas e de nossos consumidores. A Apple conseguiu; a Microsoft ainda está tentando.
Os dois pilares
A mística se baseia em um comportamento organizacional sustentado ao longo do tempo. Isso envolve manter a mesma atitude de fazer as coisas igualmente bem nos bons e nos maus momentos. Ela se baseia nas características inalienáveis que orientam a maneira de operar: valores que não são negociáveis, nem mesmo diante da necessidade cíclica. Um exemplo disso são as empresas que colocam o cliente no centro de tudo o que fazem. Em essência, a mística é construída com base em valores explícitos e consistentemente defendidos.
A mística é reforçada pela consistência entre o que é dito e o que é feito. A Patagônia, por exemplo, incorpora esse princípio. A empresa comemorou seu 50º aniversário com a frase: “Uma história de 50 anos de propósito”, uma mensagem que resume sua essência e seu compromisso com um modelo de negócios baseado na sustentabilidade. Outros exemplos de destaque são o grupo argentino Perez Companc e os chamados “campeões ocultos” na Alemanha, muitos dos quais são empresas familiares. Em todos os casos, o que distingue essas empresas é a forte conexão entre seu impacto externo e a cultura interna que cultivam.
Transmitir essa consistência será essencial para as organizações que desejam desenvolver a mística no futuro. Elas precisarão demonstrar, por meio de ações consistentes, que o mundo para o qual contribuem é tão forte quanto aquele que estão construindo internamente.
Por Alberto Bethke, sócio-fundador da consultoria Olivia