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Nossas organizações precisam ter um fluxo constante de talento. Um dos maiores desafios para isso está escondido na sala da diretoria: a mudança geracional. Os principais erros e como evitá-los.

"Acreditamos que a vida é governada pela inteligência e não é assim; a vida é regida pela vontade." A citação pertence a Eusebio Ayala, ex-presidente e chanceler do Paraguai. Costumo usá-la em conversas nas quais abordamos um dos temas que ainda hoje, no século 21, o século da racionalidade e dos dados, continua desafiando como poucos a vida de nossas organizações. Estou me referindo à mudança geracional. Especificamente, a transferência de poder entre pais e filhos ou entre a família fundadora e aqueles designados para continuar o legado.

A frase de Ayala destaca o problema principal. Não se trata de inteligência ou racionalidade. Na maioria dos casos, o processo de sucessão começa em concordância entre as partes.

O fundador entende que chegou o momento de se afastar para que a nova geração injete sua energia e visão de futuro, dando um impulso renovado à empresa. Na maioria dos casos, hoje em dia, é comum haver um protocolo de sucessão; nas empresas familiares, o protocolo familiar. Neles, são estabelecidos tempos, mecanismos e papéis entre quem deixa o comando e quem o assume.

No entanto, em dois em cada três casos, de acordo com nossa experiência, não passa muito tempo antes que os primeiros atritos comecem a surgir. As formas como isso acontece são tão diversas quanto as estrelas no céu. Como diz outro ditado, "cada família é um mundo". E cada empresa também, poderíamos acrescentar.

Entretanto, há um fator que atravessa todos os casos, ousaria dizer, sem tê-lo comprovado por dados. É a vontade ou, melhor dizendo, a falta dela, que começa a complicar as coisas.

Porque, como bem diz Ayala, se a vontade não está presente, não há inteligência, planejamento, estratégia ou protocolo que possa funcionar. No entanto, mais importante ainda é entender que essa falta de vontade é um problema que afeta todas as partes: tanto a geração que planeja se aposentar quanto aquela que deseja e deve sucedê-la

 

Uma dimensão que não respeita urgências econômicas ou de mercado 

A importância da vontade das pessoas neste processo foi-me lembrada por duas empresas com as quais tive a oportunidade de trabalhar há algum tempo. A primeira era uma empresa do setor de bens de consumo em massa, liderada pela terceira geração da família fundadora. Após muitos anos de sucesso, a empresa enfrentou dificuldades financeiras. O CEO percebeu que precisava de uma nova abordagem para mudar o rumo da empresa. Como seus filhos já haviam escolhido outras carreiras, ele procurou e contratou um executivo profissional de fora da família. Esse novo diretor-geral, após assumir o cargo, concentrou-se claramente em priorizar a sobrevivência financeira.

No segundo caso, uma empresa distribuidora de produtos de cuidado pessoal e higiene com operações na América do Sul, o fundador fundou a companhia com grande visão comercial há 20 anos. No entanto, apesar de sua visão e experiência, o CEO geriu a empresa nos primeiros anos de forma muito pessoal, como é comum entre os fundadores. Quando o conheci, ele havia percebido que, para expandir ainda mais seu negócio, precisava de uma gestão moderna e experiência em escala. O CEO teve a sorte de ter dois filhos com formação em Administração de Empresas e vários anos de experiência profissional em outras companhias. Assumindo a liderança, os filhos decidiram priorizar a organização interna e primeiro alinhar os processos internos de operação com os padrões modernos de gestão.

Em ambos os casos, a transferência de gestão ficou emperrada após alguns meses. O gatilho - como vocês devem ter imaginado até este ponto - é a resistência de ambos os CEOs em deixar o cargo completamente.

 

No primeiro caso, o CEO, lembrem, da terceira geração da família fundadora, esperava que, uma vez contratado o novo gerente-geral, os problemas financeiros desapareceriam em pouco tempo. No segundo caso, embora o CEO tivesse transferido a empresa para seus filhos, nunca permitiu que eles operassem e gerenciassem livremente, contrariando várias de suas medidas e decisões.

Os dois momentos-chave 

Como mencionamos, o protocolo de sucessão já é uma prática comum em grande parte dos processos de sucessão. No entanto, não é apenas o proprietário que entrega o poder de liderança que requer boa vontade; também é necessário que a geração que assume tenha boa vontade. O primeiro precisa soltar, os segundos precisam esperar. O proprietário precisa ceder espaço e autoridade para aqueles que tomarão as decisões daqui para frente; os segundos precisam dar tempo e espaço para aquele que está entregando - em muitos casos - o resultado de toda uma vida de trabalho. Unir essas vontades em um mesmo lugar - a transferência de poder - é, em última análise, uma dimensão psicológica que se baseia em dois momentos-chave: o do proprietário, mas também o daqueles que o sucedem.

Nos planejamentos estratégicos desse tipo, geralmente se consideram dimensões de mercado, regulatórias, financeiras, etc. No entanto, com muita frequência, a dimensão psicológica e, particularmente, os dois momentos que ela envolve, são negligenciados. Isso é especialmente crítico em um processo tão delicado como este.

Lembremos que, para o dono, o processo geralmente envolve passar pelo que a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross definiu como as "cinco etapas do luto": 1. Negação; 2. Raiva; 3. Negociação; 4. Depressão e, apenas no final, 5. Aceitação. 

 

É importante entender que se trata de um processo que não pode ser delimitado no tempo em uma folha de cálculo.

Sua dimensão psicológica o torna totalmente impossível de projetar e muito menos responde a necessidades ou urgências econômicas.

Cada pessoa o vive de forma diferente. O mesmo acontece no caso de uma organização. Compreender a necessidade de respeitar essa jornada é tão importante para o dono quanto para aqueles que a seguem. 

O melhor exemplo para ilustrar isso é sempre dado pela natureza.

Em uma manada de leões, a competição pela liderança é tão forte quanto em qualquer outra manada. No entanto, quando se trata do animal considerado o Rei da Selva, seu comportamento sempre desempenha um papel exemplar.

Acontece que, em uma manada de leões, quando o leão mais velho já não pode mais governar, há um breve período em que o leão jovem que o sucederá tem atritos e algumas brigas com o líder até então. No entanto, o mais velho, em pouco tempo - e muito mais rapidamente do que um humano - sempre acaba se retirando, dando espaço ao mais jovem para liderar conforme considerar adequado.

Isso ocorre porque o leão mais velho reconhece que não possui mais a força necessária para liderar a manada. Portanto, não é uma mudança de atitude do leão mais velho, mas sim uma consciência de que chegou a hora de se retirar. De forma voluntária e consciente, ele cede o espaço ao outro. Como sempre, a natureza é sábia e nos convida a imitá-la.

 

Por Claudio Ardissone, Managing Diretor da Olivia Paraguai.

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